[de crente pra crente] – texto 4

Levi Nauter
Quem já não ouviu o famigerado comercial das lojas Marisa que, numa certa altura, diz “de mulher pra mulher”? Ah, sim, quem nunca olhou televisão, claro. Estes supercrentes podem até deletar, rasgar este texto. Se você é um supercrente, saiba que vou escrever sobre o rádio e quem é contra a televisão tem de ser contra o rádio, para ter coerência. Afinal, tanto um quanto o outro são veículos de comunicação de massa; a diferença entre eles é óbvia e estou dispensado de ratificá-la. Ocorre que o farisaísmo está num ponto que alguns líderes fundamentalistas acham qualquer asneira como desculpa e encaixam-na num bom versículo bíblico e tudo fica nos conformes. Assim, torna-se pecado ouvir e ver bobagens pela telinha, porém, não é pecado se for pelo dial.
Na praia encontrei um amigo, pastor, teólogo e trabalhador. E por que disse trabalhador? Por que defendo que um pastor deveria trabalhar para fazer jus ao seu salário. Em minha opinião, pastor que apenas ganha da igreja não serve para o Reino de Deus, fica viciado em crentices, em crenticismos. Torna-se inútil para a sociedade e serve apenas para o inútil gueto denominacional. Claro que há exceções, há pastores que, às 8h, estão nos templos e/ou nos gabinetes pastorais; e de lá só saem por volta das 18h. Há pastores que trabalham mesmo. Ainda assim, é mais fácil encontrá-los – desculpem a falta de domínio próprio – coçando, tomando chimarrão, dando risadas e contando piadas ‘góspeis’. Esse povo deveria trabalhar no meio dos ímpios, o lugar de ‘plantação’ da igreja. Chega de termos que aturar um pastorzinho falando das dificuldades da vida tendo seu salário garantido todo ‘santo’ mês. Isso é que é inferno. Se os pastores soubessem da pressão do desemprego que, com todo o respeito, também anda rugindo ao derredor buscando quem possa tragar não mais ‘pregariam’ mensagens rickwarreanas. Provavelmente excomungariam as Cassianes e não enxergariam tanto anjo subindo e descendo escadas assim tão irreverentes no ‘culto’.
Retomando. Eu dizia que havia encontrado um amigo, pastor, teólogo e trabalhador. Tenho bastante conhecidos nessa situação. Todavia, esse, em especial, é alguém a quem admiro. Admiro-o pela coragem, por assumir claramente suas posições, e, acima de tudo, porque é um pastor pesquisador-leitor. Outros, conhecidos, não lêem nem receita médica; o sermão deriva do tempo de serviço e não da reflexão teológica. Mas de quem estou me referindo é diferente. Sua igreja-instituição possui um espaço na rádio local, à tardinha, de segunda a sábado. Decidi ouvir.
A intenção é boa. Todos os programas cristãos-evangélicos têm boa intenção. Ninguém paga um espaço semanal para potencialmente dar errado, para ninguém ouvir. O problema é: quem ouve? Qual o perfil dos ouvintes? Talvez a pergunta mais importante seja qual a intenção do programa?
A meu ver o grande problema dos programas evangélicos está na falta de definição de um foco, de um público-alvo. Como não se define, acaba que vemos uma enxurrada de programações feitas para crentes. Nesse bojo, uma série de anúncio dos eventos institucionais misturados a uma miscelânea de tentativas de evangelização. E o que ouvimos? “Hoje grande culto da família, em tal hora, em tal local”; “oferecemos o próximo hino para o pastor fulano, para seu enlevo espiritual”, entre outras frases-crentes. Ou seja, a programação não é feita para alcançar novos adeptos. Os ímpios que se danem. Se quiserem se converter terão de ficar atentos às placas que indicam: “campanha de avivamento”; “culto de libertação”; “cruzada de evangelismo” – entre outros nomes fora de contexto. Observemos, então, que as programações (de TV e/ou rádio) misturam – num espaço de meia hora – anúncios de grandes eventos, música alheia tanto aos eventos quanto ao evangelismo e uma mensagem ‘goela abaixo’ para o caso de algum ouvinte descrente – essencialmente os ‘desviados’.
Quando meu amigo perguntou o que achei do programa, respondi: “bom, mas é pra crente”. Ele fez o que poucos fazem: “como posso mudar?”. Problematizou a própria prática. Então lembrei de um livro que acabei de ler e do grande apóstolo Paulo, de quem sou um grande fã. Paulo tinha claro que o evangelho deveria ‘outrar’, isto é, deveria tornar-se o outro para, a partir daí, fazer a conversão. Nesse contexto é que faz sentido lermos 1Co 2.1, também Cl 4.5-6, bem como Fp 2.7. Além, é claro, do famoso santo camaleão
[i], 1Co 9:

19 Pois, sendo livre de todos, fiz-me escravo de todos para ganhar o maior número possível:
20 Fiz-me como judeu para os judeus, para ganhar os judeus; para os que estão debaixo da lei, como se estivesse eu debaixo da lei (embora debaixo da lei não esteja), para ganhar os que estão debaixo da lei;
21 para os que estão sem lei, como se estivesse sem lei (não estando sem lei para com Deus, mas debaixo da lei de Cristo), para ganhar os que estão sem lei.
22 Fiz-me como fraco para os fracos, para ganhar os fracos. Fiz-me tudo para todos, para por todos os meios chegar a salvar alguns.
23 Ora, tudo faço por causa do evangelho, para dele tornar-me co-participante.


Paulo nunca deixou de ser o que era, mesmo usando de boas estratégias, para ganhar pessoas ao Reino de Deus. O próprio Cristo deu-nos uma preciosa dica em Mt 10.16: estaríamos no meio de lobos e deveríamos ficar espertos, de olhos bem abertos.
Em relação ao livro que li, Cristianismo com a cara do Brasil, de Reinaldo Rocha
[ii], temos boas propostas para contextualizarmos o evangelho de Cristo. Se nascemos neste país é a partir dele que temos de ganhar vidas para o Reino. É necessário, portanto, contextualizar o que dizemos. Precisamos parar de fazer a confusão nos programas de rádio e televisão. Não é possível querer evangelizar, dar recadinhos, ouvir músicas fora da temática a ser abordada no sermão. Temos de focalizar mais nossos objetivos. De um lado, será inútil optarmos por uma programação de crente pra crente – só crentes e ‘desviados’ ouvirão; crentes, para saberem aonde haverá um festejo, quem estará fazendo a preleção, quem cantará, os ‘desviados’serão sutilmente atormentados pelos crentes para ouvirem a ‘palavra de deus’. Mas, de outro lado, se a opção for uma programação para descrentes tudo deverá mudar: as músicas deverão ter cunho evangelístico e não de louvorzão-festerê; todo o discurso terá que se dirigir ao descrente e, assim, a linguagem deverá ser outra.

O apresentador do programa que ouvi por uma semana não tinha um foco definido. Por isso, às vezes, eu tinha a sensação de que estava num templo, tal era a quantidade de aleluias e améns que ouvia. De repente, a música começava a pedir para Deus ‘incendiar’; outro cantor dizia que queria beijar, abraçar, tocar e sentir ELE. Quer dizer, letras completamente alheias ao evangelismo, com sentido ambíguo, que carecem de pessoas que tenham uma boa e sólida caminhada de fé. Quem não tem essa caminhada fica perdido. A mensagem, o sermão, logo em seguida, fazia uma abordagem histórica complexa que, mais uma vez, deixava o ouvinte ‘boiando’.
Quero deixar bem claro que não vejo problemas nisso acontecer. Aliás, é só o que acontece. A questão é termos clareza do público-alvo: queremos chegar nos crentes ou descrentes? Se a opção for aos crentes estamos indo bem, apesar do mal gosto na programação. Já se quisermos alcançar os descrentes, teremos de ler incessantemente a Bíblia, obras afins e sairmos para a rua. Teremos que conversar com não cristãos, com aqueles que não aceitam qualquer coisa, com os que nos desafiam, mexem com nossas supostas bases teológicas de crença. Teremos de nos apropriar das suas particularidades, suas gírias a fim de, com elas, buscarmos a conversão do nosso público. Não será a indumentária a salvar. Não serão cânticos recheados de mântras que converterão. A obra certamente é do Espírito Santo. Nós seremos os canais, os – por assim dizermos – tradutores dessa gloriosa boa nova. Por enquanto não estamos traduzindo nada.
Por ora, as programações cristãs de rádio – com pouquíssimas exceções – servem ao próprio umbigo das denominações. Alguns apresentadores têm seus momentos de catarse de uma profissão que gostariam de terem. As músicas representam, em poucos casos, uma vivência da igreja-instituição como fruto de uma caminhada que, evidentemente, o descrente não a tem. Ora, essa é a razão de a música ter que ser mais selecionada, mais dirigida ao evangelismo. O linguajar deve ser mais cuidado. Abaixo os aleluias de cinco em cinco segundos (cacoete dos mais terríveis) ou dos améns que em nada acrescentam ao sermão. Que haja mais leitura de mundo e da palavra (com “p” minúsculo para obras literárias diversas, e “P”maiúsculo pala a Bíblia), mais contato com os descrentes. Eles não mordem e podem dar grandes sugestões de pauta.
Pra finalizar, transcrevo um trecho da obra de Reinaldo Rocha (págs. 11 e 12) para a nossa reflexão que, espero, não acaba aqui.
"Com facilidade, recomendamos a parentes e amigos um novo restaurante ou uma desconhecida cidade turística. Contudo encontramos dificuldade quando pretendemos apresentar nosso melhor Amigo a eles.
Possuímos dentro de nós um tesouro de valor incalculável. Geralmente ele fica confinado, porque não encontramos uma forma agradável de compartilhá-lo com nosso próximo. (...)
Será, porém, que estamos em sintonia com as estruturas de pensamento e com os códigos que marcam o microcosmo secular em que vivemos?"


Pensemos e mãos à obra.








[i] Não custa lembrar que ‘santo camaleão’ não deve ser entendido literalmente. Refiro-me que temos de mudar as estratégias e não o que somos.
[ii] Reinaldo Rocha, Cristianismo com a cara do Brasil, Editora Betânia, Belo Horizonte, 2002.

3 comentários:

oswald garagorry quarta-feira, agosto 08, 2007 12:45:00 AM  

Li sua posicao.
Concordo com tudo que diz e me lamento por voce.
Voce faz parte de um numero incontavel de siceros seguidores de Deus que enchergan o problema das igrejas;dos pastores;do cristianismo e de todo o esquemao.
Porem o que fazem alem disso?
Papo e facil- mas acao onde esta?
Sim existe os reformadores na historia da igreja.Porem o que eles realizaram em dois mill anos?--Eles conseguiram produzir o que voce e o meu amigo Reinaldo analizam e apresentam os furos.
TODOS os reformadores;TOSOS os propositores de "renovar" ou "retornar" nesses ultimos dois mill anos que tencionaram voltar a um cristianismo do Novo Testamento;a vida da igreja primitiva;a igreja novo testamentaria;e etc., etc...
NAO FORAM CAPAZ IR UM PASSO ALEM DO QUE ERDARAM DO EMPERADOR CONSTANTINO.
O que voce ve e discorda faz parte da religiao criada por Contantino juntamente com 318 bispos Catolicos;no conselho de Niceia no ano 325 da Era Comum.
Nada do que eles estabeleceram como a fe dos seguidores de Cristo foi praticado por Ele ou algum de Seus discipulos.
Um dia ja estive onde voce e muitos outros sinceros irmaos estao.Porem pela misericordia de Deus encontrei o que procurava.
Oro pra que o mesmo aconteca com voce.
Oswaldo G.

Levi Nauter quarta-feira, agosto 08, 2007 11:38:00 AM  

Obrigado pelo comentário. Sinto-me honrado por teres "perdido" um tempo lendo minhas postagens. Gostaria que continuasses lendo ao longo dos dias.

Contudo, não discuto mais posicionamentos que vão gerar discussões sem muito alvo. Todas as minhas posições estão ditas ao longo dos textos. Estou sempre disposto à mudanças, mas sem pressão, sem fundamentalismos.

Fique na paz!

Levi Nauter

Anônimo segunda-feira, outubro 06, 2008 11:23:00 PM  

Interessante a crítica de oswald garagorry, porém infelizmente não contribuiu em nada. Afinal, o q ele encontrou??? Senão há nada neste mundo além do Senhor Jesus que possa nos salvar?? Pois se ele tiver encontrado qualquer coisa que não seja isto recuso-me a aceitar os comentários absurdos sobre constantino etc etc etc
Também tenho pessoas em minha família que pensam como ele, porém estas pessoas conseguiram afastar todaaaaaaa uma família do Senhor e da vida da igreja, e isto faz mais de 20 anos, e minha família continua cega diante da verdade que está na bíblia e que está diante dos olhos.
Espero q o Senhor tenha misericórdia de todos nós para que aprendamos a ser sinceros seguidores de Deus!!!!!

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Para pensar e refletir sobre o cotidiano de um cristianismo que transcende as quatro paredes de um templo.


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LEVI NAUTER DE MIRA, doutorando em educação (UNISINOS), mestre em educação (UNISINOS) e graduado em Letras-português e literatura (ULBRA). Tenho interesse em livros de filosofia, sociologia, pedagogia e, às vezes, teologia. Sou casado com a Lu Mira, professora de História, e pai da linda Maria Flor. Adoramos filmes e séries.

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