Os tambores de Nietzsche - de Rodrigo Ferreira

Recentemente, através do Youtube, deparei-me com uma cena, no mínimo, inusitada: uma famosa cantora gospel brasileira, em um show (que insistem em chamar de “ministração”) começou a afirmar que, ao som dos tambores que seriam tocados pelos seus músicos, as potestades do mal seriam destronadas em nosso país, Satanás e seus asseclas seriam eternamente envergonhados, e o nome do Senhor seria exaltado. Infelizmente, não sei se isso ocorreu antes do recrudescimento da violência no Rio pré-PAN ou antes da avalanche de escândalos morais no Congresso Nacional. Porém, vi que, ao serem tocados os tambores, houve um frenesi, tanto na platéia como no palco: a cantora, sem muita intimidade com instrumentos de percussão, começou a “surrar” um gongo chinês, atravessando todo o ritmo, repetindo a todo tempo os mantras “o Brasil é de Jesus” e “diabo, você está derrotado”.
Sinto-me meio sem rumo. Em minha conversão, há 19 anos, nunca esperaria ver um ritual de macumba gospel palatável à burguesia divulgado pela internet. Ao formar-me no seminário e assumir uma igreja como pastor, há dez anos, não pensava em concordar tão prontamente com a banda de hip hop “Apocalipse 16”, na música “Meus inimigos estão no poder”, uma citação da composição “Ideologia”, de Cazuza.
É triste pensar no cristianismo evangélico atual no Brasil. Tornamo-nos pastiche de uma religiosidade irrelevante — e, o que é pior, tornou-se prato cheio para uma mídia com má vontade e sedenta de escândalos. Afinal, em dois dos mais recentes escândalos no país, evangélicos estão envolvidos de forma negativa: a recente acusação contra um deputado federal, líder de uma denominação, que pagou para um pistoleiro matar outro deputado, também pertencente à sua denominação; e, no caso do senador Renan Calheiros, Mônica Veloso, a repórter que não sabe fazer planejamento familiar e engravidou de um poderoso senador meio sem querer, afirmou ser, de acordo com entrevista à “Folha de S. Paulo”, “evangélica, batista, do Vale do Amanhecer”.
Friedrich Nietzche é um nome que causa arrepios entre nós, nem tanto por sua colaboração filosófica vital ao nazismo, mas mais por sua virulência contra o cristianismo protestante, atacando sem dó nem piedade a moral e os valores cristãos. Para ele, a figura de Jesus é o retrato mais bem acabado do fracasso e da derrota. Esta moral deveria ser suplantada por uma outra. Para tanto, ele propunha a nova moral, a nova ética, a partir do super-homem. Mas, para que tal intento tivesse sucesso, era necessário ter a consciência de que Deus, a fonte da moralidade cristã, morreu. Ele mesmo escreveu, em um de seus textos: “Deus morreu e nós o matamos! Sinta o cheiro da putrefação divina!”
Será que Nietzche está, afinal, certo? Será que Deus realmente morreu? Afinal, qual a relevância de Deus para o movimento evangélico de hoje? Qual a relevância dos valores do Evangelho do Reino, reduzidos a um mero exorcismo com tambores em um “show gospel” mal tocado? Aquilo que aprendemos nos domingos, em nossas comunidades, é praticado no dia-a-dia? Aquilo que aprendemos é mesmo aquilo que está na sua Palavra? Deus é relevante, ou se torna figura de retórica, pedra de toque, fetiche religioso para manipulação mágica do mundo espiritual, como o temos reduzido ultimamente?
Se não retornarmos (ou melhor, nos convertermos) ao Evangelho do Reino, abandonando o falso evangelho da macumba gospel, infelizmente, seremos obrigados a imaginar Nietzche, com aquele bigodão de vassoura, dando folgadas gargalhadas no inferno e gritando em alemão: “Eu venci!”. Que sejamos sal em um mundo apodrecido e luz no meio das trevas religiosas. Que o Senhor tenha misericórdia de nós.
Rodrigo de Lima Ferreira, casado, duas filhas, é pastor da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil desde 1997. Graduado em teologia e pós-graduando em missões urbanas, hoje pastoreia a IPI de Serranópolis, GO.
Rodrigo, na minha opinião mandou bem. É o que penso dessa falta de criatividade musical cristã que vem tomando conta dos cristãos brasileiros. Carecemos de mais brasilidade.

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Para pensar e refletir sobre o cotidiano de um cristianismo que transcende as quatro paredes de um templo.


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LEVI NAUTER DE MIRA, doutorando em educação (UNISINOS), mestre em educação (UNISINOS) e graduado em Letras-português e literatura (ULBRA). Tenho interesse em livros de filosofia, sociologia, pedagogia e, às vezes, teologia. Sou casado com a Lu Mira, professora de História, e pai da linda Maria Flor. Adoramos filmes e séries.

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