[confesso]

Levi Nauter



Parei de escrever um outro texto para compartilhar, com este, uma cena que me causou espanto. Um lindo espanto.
A quem não sabe, sou um trabalhador da educação. Acumulo as funções de professor de língua portuguesa com as de uma pessoa trabalhadora na administração escolar. Numa escola, literalmente, se vê de tudo. Há uma gama bem diversificada de crenças, bem como uma série de pessoas que tentam nos intimidar direta ou indiretamente:
– Vocês fazem festa Halloween? - questionou um pai.
– Vocês fazem a Semana da Consciência Negra? - outro responsável indagou.
Ambos informaram que seus filhos não participariam dos eventos acima e que, ao contrário, não mais apoiariam a escola em futuros eventos.
Não sou partidário desses radicalismos e fundamentalismos, em nehuma hipótese. Sou favorável ao cuidado, claro, desde que isso não signifique negar o direito à informação, ao conhecimento, à cultura. Não me parece que seja negando que existem alguns eventos que vamos evitar a "contaminação". Se assim fosse, todos os cristãos - nos e com os quais me incluo - deveriam, impreterivelmente hoje, morrer a viverem neste mundo. Particularmente, prefiro ficar vivinho; há muito de beleza a ser descoberto por aqui. Além do mais, parece-me que ser cristão é, entre outras coisas, tornar o mundo mais bonito, menos feio.
Cristo utilizava muito a criança como um bom exemplo a ser seguido. Aqueles que intentam ascender aos céus precisam prestar mais atenção nos pequeninos. Um deles me causou espanto. Não pela sua catequisação, mas, sim, por duas razões: (1) porque na escola ele vive em profundidade o ser criança (estuda, brinca, corre, briga, cai, levanta e faz tudo de novo num círculo não vicioso) e (2) porque fica evidente o diálogo com os familiares fora da instituição. Ou seja, a vivência cristã dessa criança não se encontra nas proibições, no esconder a realidade. Ao contrário, parece estar no encarar a realidade, no viver diário de cada fase da vida.
Ao enchergar a criança questionei:
– Como andam as leituras da igreja?
Ele entendeu que eu perguntava se estava lendo algum livro ou revista cristã na sua igreja. No entanto, o menino me deu outra resposta.
– Domingo não consegui chegar a tempo na igreja porque minha vó me levou numa festa de aniversário.
– Estava boa a festa? Melhor que ir na igreja? - questionei.
– Sim, estava ótima. Mas nada melhor que servir a Deus.

Não soube o que falar. Fiquei mudo, espantado.
Claro que muito do que estava por detrás da resposta era reflexo do discurso paterno e materno. Mesmo assim, essa convicção, devo confessar, suscitou algumas perguntas: até onde vai minha crença evangélica? Por quais motivos ela pode ser abalada? Por que uma festa não pode ser um culto? E porque pode ser errado optar-se por uma festa a ir a uma reunião igrejeira?
Quando, de repente, lembrei de um livro lido bastante tempo a coisa piorou. Lembrei da autora, Melinda Fish, e o título tornou-se outra pergunta intrigante: "fardo, se ele é leve por que estou tão cansado?".
Não tenho respostas...

[a igreja e a repressão - sugestão de leitura]

Levi Nauter



Minha opinião é que a igreja cerceia a liberdade dos fiéis, essencialmente falando da instituição. Não os deixa pensar por conta própria. Há uma ilusão de liberdade, a membresia acha que pode ser livre para agir, para pensar. Contudo, não é bem assim. A máxima paulina "onde há o Espírito de Deus ali há liberdade" não funciona assim de modo tão romântico.
Mas uma coisa é a minha percepção dessa temática. Fui um simples membro de igreja que mal contribuiu como músico (violonista, baterista e vocalista) e que, ao final, optou por sair - contrariando outros diáconos como eu. Fui assembleiano a maior parte da minha vida, além de ter passado aproximadamente dois anos como batista (CBN). Apesar de tudo, não me considero indigno de opinar quanto àquilo que me incomoda ou me incomodou. Nesse particular, as pessoas (não gosto do termo irmão) nunca me causaram desconforto; ao contrário, tenho uma boa relação com vários pastores, de diversas denominações. Não obstante, com alguns, discordo frontalmente. Essa é a beleza, para os que a compreendem, da democracia: discordância em alguns pontos, unidade em outros; objetivos comuns.
Outra coisa é a percepção de alguém cuja importância ultrapassa o bairrismo do evangelho. Há uma diferença entre eu (guri, formado em Letras, buscando mestrado em educação e teologia) e uma pessoa que já foi pastor, que viveu no exílio evangélico e, mesmo assim, soube dizer sob outro viés. Esse é o caso de Rubem Alves. Com ele é possível discordar em várias nuances, mas não me parece possível negar a importância de sua contribuião para o Reino. Porque errar todos erram e se vamos excluir os que erram temos de fazer o mesmo com a Bíblia - afinal, quem, afora Cristo, não cometeu erros gritantes? Portanto, a contribuição de Alves é inegável, ao menos para a minha história.
Acabo de reler "Religião e Repressão"[1]. Essa obra merece ser lida e relida por quem se diz evangélico. Nela, Rubem Alves traça os caminhos gritantes e, às vezes, silenciosos da repressão igrejeira. A partir dos levantamentos ali expostos, vemos - de um lado - nossas feridas, nossas mazelas, nossa mesquinhez, nossa diabolicidade. Por outro lado, vemos a atualidade da obra. Infelizmente ainda não mudamos muita coisa. E naquilo que mudamos fica claro o quanto 'jogamos pessoas fora'. Como perdemos pessoas em função de conceitos pessoais e não bíblicos! É possível ler (pseudo)líderes que com suas arrogâncias mandavam e desmandavam sobre a vida de pessoas acuadas pela Teologia do Medo - a desgraçada teologia que prega a submissão cega e inquestionável de líderes religiosos inescrupulosos. Gente que adora ver pessoas sofrendo, quietas, sem o direito de dizer a sua palavra, sem a possibilidade de questionar. Gente que alardeia aos quatro cantos a falácia do princípio da autoridade, a mentira da cobertura espiritual, da maldição hereditária, bem como da teologia da prosperidade (que só prospera pastores). É nessa esteira que vem a alienação. É nesse bojo que está o cerceamento da liberdade do outro, travestido de doutrina, travestido de bons costumes, com aparência de evangelho, com linguagem bíblica.
Essa teologia do medo é denunciada por Alves. Belamente exemplificada, faz falta uma outra obra similar escrita em nossos dias. Ali não lemos, por exemplo, sobre as receitas evangélicas para as soluções de problemas, sejam eles quais forem, tão comuns em nossos dias. Basta chegar em qualquer banca de revista, em qualquer livraria não cristã e até mesmo nas cristãs para lermos títulos que intentam dar passos para se chegar a qualquer coisa. Também não lemos (mais profundamente) a respeito dessa arrogância pastoral que disciplina e exclui segundo cosmovisões pessoais e preconceituosas. Muito menos lemos sobre as manipulações, a partir do discurso, de televangelistas e comunicadores (mais para animadores) de rádios evangélicas.
O que encontramos na obra? Uma sólida reflexão crítica sobre a repressão da qual sofremos as conseqüências até hoje. Encontramos relatos de fiéis e de lideranças como que dando-nos as bases do que hoje temos nesse evangelho em sua maioria norte-americanizado. Vale a leitura pois é nossa história. Vale a leitura porque não deveríamos continuar fazendo a mesma coisa. É importante a leitura a fim de refazermos nossas práticas cristãs.
Nossa brasilidade evangélica merece outros contornos e, quiçá, essa obra possa ser incentivadora.











PS: enquanto isso, sigo numa leitura mais atual e não menos contundente: "A mensagem secreta de Jesus", de Brian D. McLaren, obra que não encontrei nas livrarias evangélicas. Bem-aventurada seja a Saraiva Mega Store, do Praia de Belas Shopping.


[1]Edições Loyola em parceria com a Editora Teológica. Uma reedição (em 2004) trinta anos após a primeira publicação.

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Maria Flor

Sobre este blog

Para pensar e refletir sobre o cotidiano de um cristianismo que transcende as quatro paredes de um templo.


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LEVI NAUTER DE MIRA, doutorando em educação (UNISINOS), mestre em educação (UNISINOS) e graduado em Letras-português e literatura (ULBRA). Tenho interesse em livros de filosofia, sociologia, pedagogia e, às vezes, teologia. Sou casado com a Lu Mira, professora de História, e pai da linda Maria Flor. Adoramos filmes e séries.

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