[começando a viver] - lnm

Levi Nauter






Minha amiga, e filósofa/folísofa, Camila Abadie[1] escreveu dois textos[2] cujo conteúdo dialogou comigo. Mais especificamente, fez-me rever, por outro ângulo, a incursão que fiz na leitura (na escrita também, mas esse não é meu foco por ora).

Na infância, minhas leituras restringiram-se à Bíblia. Havia os famosos cultos domésticos (nem tão sistemáticos na minha casa) no quais eu e meus irmãos tínhamos de ler alguns trechos das Sagradas Escrituras. Adolescente, li alguns (poucos) livros do discurso evangélico-fundamentalista. Agora noto o quanto isso me foi nefasto. Há um buraco nas minhas leituras de fábulas. Era pecado ‘na época’.

A Camila, com seus textos, remontou-me ao início da minha vida profissional. Foi nesse período que fiquei sabendo dos livros de auto-ajuda. Quando trabalhei na área de vendas, um colega emprestou-me Sem medo de vencer, do Roberto Shinyashiki. Devorei! Nunca lera algo que me parecia tão empolgante. Tive alguns professores que incentivavam o aluno a querer ser um empreendedor no futuro. A ‘literatura’ de auto-ajuda fortalecia essa, digamos, doce ilusão (não por eu não acreditar no empreendedorismo, senão que nem todos os leitores desses textos o serão). Foi uma boa iniciação. Um livro parecia impulsionar a outro e assim sucessivamente. Numa certa altura, comecei a me dar conta da sistemática repetição, da trama comum em todos eles. O ponto culminante se deu com Lair Ribeiro. Comprei O sucesso não ocorre por acaso. Terminada a leitura, fui para os fundos do pátio, acendi uma fogueira e, folha por folha, queimei toda a (pseudo)obra.

Atualmente sinto-me mais maduro em relação a leitura (tanto do mundo quanto da palavra) – em que pese saber da infinita produção no mercado editorial. A experiência e/ou a prática da leitura vai lapidando, refinando, nosso gosto literário. Em uníssono com a minha amiga, devo afirmar que “a mesma obra que me é tão útil, em pouco ou nada serve a um terceiro”. Também com ela penso que esse tipo de texto pode contribuir nalgum ponto de nossa vida, o perigo estará em “tornar-se dependente de respostas descobertas por terceiros”. Cá pra nós, em 2006 não resisti e adquiri Tudo ou nada. Cá pra nós ainda: já li mais de uma vez.

Mas por que disse o que disse até agora? Para falar de um livro de auto-ajuda. Sim, confesso, li um livro de auto-ajuda nas férias de janeiro.

Passei numa biblioteca, o livro estava lá de bobeira; eu também. Então nos juntamos. Peguei-o pelo título: Como evitar preocupações e começar a viver, do Dale Carnegie. O livro é de 1948, faz parte dos primórdios da auto-ajuda. Li a 29ª edição[3] (1991), dita revista e aumentada. Tenho a sensação que muito dos ditos popularescos vieram dessa obra. ‘Se você tiver um limão, faça uma limonada’, por exemplo, é um capítulo do livro (17). Não chorar o leite derramado também está lá.

Em Como evitar preocupações e começar a viver está o princípio básico da auto-ajuda: “...o propósito deste livro não é contar a você nenhuma novidade. O propósito deste livro é fazer com que você se lembre do que já sabe, instigando-o a pôr em prática os seus conhecimentos.” (p. 126). Igualmente encontramos títulos de capítulos exóticos, como Não tente serrar serragem (11) ou Lembre-se de que ninguém chuta um cão morto. Mesmo levando-se em conta a antiguidade do livro e a do autor (1888-1955), há registros deploráveis de preconceito:

...deveria ter o bom senso de fazer o que o cientista negro George Washington Carver fizera... (p. 124 – grifo meu)

Nem mesmo um idiota da Mongólia sonharia tentar voltar a 180 milhões de anos atrás... (p. 123)

Milhões de pessoas... continuam... a desperdiçar, a esbanjar energia, tão descuidadamente como sete marinheiros bêbedos em Singapura! (p. 257)

É possível encontrar, ainda, momentos místicos. Comecemos pelo momento Igreja Universal/Internacional/Mundial do Rein/da Graça e do Poder de Deus:

Comecei a trabalhar com seguros de vida, orientado ainda pelo meu Divino Guia. Isso aconteceu há apenas cinco anos. Hoje, todas as minhas contas estão pagas. Tenho um lar feliz e três filhos inteligentes. Possuo uma nova casa, um novo automóvel e vinte e cinco mil dólares de seguro de vida. (p. 229)

Nem faltou um momento pentecostal, ou The Secret:

Sinta a energia fluindo dos seus músculos faciais para o centro do seu corpo. (...) Repouse sempre que puder. Afrouxe o corpo, deixando que fique mole como uma velha meia. Quanto a mim, conservo uma velha meia marrom sobre minha mesa, enquanto trabalho, para me lembrar de como é que devo afrouxar os músculos. (p. 258/9)

Apesar de tudo, o livro, com um bom filtro, pode contribuir para iluminar nosso caminho. Afora os relatos quase fantasiosos, pode-se tirar algum proveito de alguns conselhos. Afinal, se eles fossem infalíveis seriam vendidos, já dizia um ditado. Então, um resumo dos conselhos apresentados nos 28 capítulos, divididos em sete partes – a oitava é composta de depoimentos sob o título “como venci as minhas preocupações”.

PARTE 1(capítulos 1-3) – Fatos fundamentais que você deve saber a respeito das preocupações:

- viva cada dia apenas até a hora de ir para a cama;

- procure melhorar a situação partindo do pior;

- um lembrete: aqueles que não sabem como combater as preocupações morrem jovens.

PARTE 2 (capítulos 4-5) – Técnicas básicas para a análise das preocupações:

- obtenha fatos;

- tome uma decisão;

- siga sua decisão.

PARTE 3 (Capítulos 6-11) – Como eliminar o hábito da preocupação antes que ele elimine você:

- mantenha-se ocupado com algo criativo;

- não se perturbe por ninharias;

- coopere com o inevitável;

- tenha coragem de dar um ‘basta’ no que o incomoda.

PARTE 4 (Capítulos 12-18) – Sete maneiras de cultivar uma atitude mental que lhe trará paz e felicidade:

- pense e aja alegremente;

- não desperdice um minuto sequer falando das pessoas que não lhe agradam;

- não espere gratidão, dê pela satisfação de dar;

- conte as bênçãos que recebeu e não os seus aborrecimentos;

- não imite os outros, sejamos nós mesmos;

- faça do limão uma limonada;

- faça uma boa ação para alguém.

PARTE 5 (Capítulo 19) – O modo perfeito de vencer as preocupações:

- orar.

PARTE 6 (20-22) – Como deixarmos de nos preocupar com a crítica alheia:

- crítica injusta é um cumprimento disfarçado;

- aja da melhor maneira possível e não deixe a crítica lhe derrubar;

- façamos ou peçamos uma crítica honesta e construtiva que nos auxilie.

PARTE 7 (Capítulos 23-28) – Seis maneiras de impedir a fadiga e as preocupações e conservar a energia e o ânimo:

- descanse antes de ficar cansado;

- repouse, leia, converse, faça planos;

- organize-se no trabalho, defina prioridades;

Do capítulo sete faltou-me entender mais três ‘maneiras de impedir a fadiga e as preocupações e conservar a energia e o ânimo’. O autor só se repetiu.

Indico a leitura. Qualquer livro merece ser lido. Nem todos podem receber o nome ‘obra’. Tampouco se deve ler por respeito ao autor. Deve-se ler pelo prazer da leitura simplesmente, incluindo-se os livros sagrados. De preferência, sempre que tivermos tempo seria didaticamente enriquecedor se todos os leitores registrassem suas impressões pós-leitura.

Fica a dica.



[2] Da arte de ouvir e da arte de ler, publicado em 04-01-09; Auto-ajuda, anti-ajuda e sem-ajuda, de 05-02-09.

[3] Editora Nacional.

rabiscos

Levi Nauter



Não sei dar muita explicação, mas ando sem vontade de escrever. Até possuo algumas ideias, rascunho várias delas – mas ficam no caderno (eu ainda prefiro rabiscar num caderno e depois ir para um computador). Minha fissuração pela discussão, pelo debate, pela tentativa do convencimento simplesmente tem desaparecido. Já não me atrai tentar convencer ninguém, senão dizer o que penso. Igualmente não me atrai fazer algo porque todos a minha volta estão fazendo.

Estou tentando viver mais poeticamente. Busco estar pero da minha família recém constituída – com a chegada da minha filha. Intento tornar meus dias mais significativos, mais tranquilos; com menos correria possível. Acordo cada dia tentando vivê-lo da melhor maneira possível, sem estresse, sem atucanação. Porém não é fácil. Viver assim exige paciência, uma paciência que por vezes me falta. Se ao dirigir obedeço à sinalização de trânsito sou quase esculachado pelos apressadinhos, muitos deles com adesivos do tipo ‘Deus é fiel’ (que ironia).

Tenho três amigos, graças a Deus, que me presenteiam – de quando em quando – com uma penca de discos de variadíssimos estilos. O Marco Aurélio vem com o lado que eu chamaria de intelectual, apresenta-me músicas com alto teor de estudo. Parece que todas as notas foram milimetricamente pensadas. Andy McKee, John Mayer, Daiana Krall e o simpático smooth jazz são alguns exemplos do que passei a apreciar ainda mais depois da apresentação pelo Marco. Sua insistência para que eu escutasse levou-me a também admirar o poderoso Leonardo Gonçalves (bota saber usar a voz).

Outro amigo importante nessas viagens musicais tem sido o Guto Abadie. Ouvi dele uma frase que jamais sairá de minha cabeça: “como é bom ouvir música liberto”. Entendi perfeitamente que ele se referia ao ‘veneno’ que fazem beber nas igrejas quando nos dizem que não podemos ouvir coisas do mundo. E pensar que houve um tempo em que, influenciado por livros malditos (esses mereciam tal epíteto), eu quase queimei meus CDs do mundo. A Rebecca Brown[1] quase me dominou. Imagine, eu ficaria sem o excelente CD do Djavan, o Malásia. E sem a Paula Toller, seu primeiro disco e legalzinho de se ouvir. Mas, repito, a Dra. Brown não me venceu. Como a cautela foi maior, bastou pegar os CDs com um primo; deixei com ele antes de fazer o ritual de descarte dos demônios que atormentavam meu som. Ao contrário do que se podia imaginar, acrescentei mais diabinhos e o maior deles, desconfio, seja o Chico Buarque. Que ‘diabos’ fazem alguém ser tão unanimidade assim?

Pois, a frase do Guto faz todo sentido para mim. Assim é que saí desse dia com trilhas sonoras e com o nem tão midiático Dave Mathews Band. Nosso último encontro não me deixou com as mãos vazias. Loreena McKennitt (é a Irlanda em Nova Santa Rita) encabeça a lista que ainda contém Belle & Sebastian, Chat Baker, Miles Davis, Mercedes Sosa, The Cranberries e os gaudérios Vitor Ramil e Mauro Moraes. Quem tem esse privilégio de amigos tem riquezas que não há dinheiro para pagar. Tanto o Guto quanto a sua esposa, a filósofa Camila, ainda me abastecem de alguns empréstimos de livros. Sem contar o entusiasmo com que me falam de alguns experts: CS Lewis é um exemplo.

Outro amigo importante é o pastor Leandro. A cada encontro que temos, ele me presenteia com pérolas da música evangélica mundial. Com ele conheci Vineyard, Matt Redman, Tim Hudges, Lex Buckely, Scott Underwood, Eoghan Heaslip, David Ruis, entre tantos e tantos outros. Agora chegou a vez dos espanhóis, mais especificamente dos latinos. Jesus Adrian Romero tem sido, digamos, o cabeça-de-chave. Seus CDs e vídeos têm me emocionado. Relembro do Luiz Fontana, um outro pastor que, aliás, sempre me lembrou a importância desses latinos (foi quem pela primeira vez, há quase dez anos, me falou do Jesus Adrian e do Marcus Witt).

É por isso que não tenho escrito. Nada melhor que ficar curtindo minha pequena Maria Flor com os sons do mundo. Conversar com a minha Lu, fazer os serviços pesados de casa. Tudo vem ganhando um outro sabor com a música.

Meus poucos amigos são especiais. Não preciso do entrevero. Quero continuar nessa paz.

Tais amigos são de pouca fala e de mais ação. Ligam, escrevem, brigam, visitam. São bênçãos para mim.

Deus os pague.



[1] Prepare-se para a Guerra ainda está lá na minha estante, agora para dizer de um tempo que, espero, não voltará mais. Mas outros dessa ‘irmã’. Minha sanidade voltou quando li o ruim (muito ruim) Vaso para honra.

Maria Flor da minha vida

Levi Nauter

Minha amada filha, pelos planos médicos e, em consequência nossos, deveria ter nascido ontem – dia 15-04-09. Mas Deus em sua infinita misericórdia resolveu antecipar nosso presente. Nossa linda filha nasceu no dia 24-03. Nunca vou cansar de dizer que esse é o melhor presente do mundo. Esse pequeno ser já tomou conta da minha vida. Sou o pai mais feliz do mundo.

Deus obrigado pela Tua bondade. Ela é linda...

Hoje acordei pensando em ontem. Revivi todas as emoções do dia 24. Sobretudo, ouvi uma música que me emocionou profundamente. Ouvi o dia todo. Se a Maria Flor entendesse, eu arriscaria tocar e cantar (provavelmente em meio a choros) só pra ela essa canção. Acho tudo perfeito nessa música. Um dia, talvez, ela mesma cante e eu, bem mais velho, comece a chorar e a aplaudir a minha florzinha.


Filha, eu te amo!!! E essa música é pra ti.



Sixpence None The Richer

Melody Of You

you're a painting with symbols deep, symphony
soft as it shifts from dark beneath
a poem that flows, caressing my skin
in all of these things you reside and I
want you flow from the pen, bow and brush
with paper and string, and canvas tight
with ink in the air, to dust your light?
from morning to the black of night

this is my call I belong to You
this is my call to sing the melodies of You
this is my call I can do nothing else
I can do nothing else

you're the scent of an unfound bloom
a simple tune
I only write variations to sooth the mood
a drink that will knock me down to the floor
a key that will unlock the door
where I hear a voice sing familiar themes
then beckons me weave notes in between
a tap and a string, a bow and a glass
you pour me till the day has passed....


Uma tradução, nem tão boa, nem tão péssima.


Sixpence None The Richer

Melodia De Você
Você é uma pintura com símbolos profundos
Uma sinfonia, macia como as trocas da escuridão
Um poema que flui, acariciando minha pele

Em todas estas coisas você reside e
Eu quero fluir da caneta, arco e escova,
Então papel, fio, e toque de tela
Com tinta e o ar espanar a sua luz
Da manhã até a noite escura

Este é o meu chamado, eu pertenço a você
Este é o meu chamado, cantar a melodia de você
Este é o meu chamado, eu não posso fazer nada mais
eu não posso fazer nada mais

Você é o cheiro de uma flor inencontrável
Uma melodia simples, a qual eu só escrevo variação
Uma bebida que me derrubará no chão
Uma chave que destrancará a porta
Onde eu ouço uma voz cantar temas familiares
Então me acena, teça notas entre
Um arco e um fio, uma torneira e um copo
Você me derrama, até o dia passar









PS: tenho a impressão que Deus - mil vezes melhor do que eu - também canta enquanto a gente dorme. Faz poesia enquanto a gente segue tocando em frente. Alegra-se com a minha alegria e deve fazer de tudo para que eu fique bem. Exatamente o que faço pela minha filha: nunca irei cobrar pelo meu serviço, pelas acordadas que ela me dá ao longo da noite. Os seus olhos, o seu sorriso, o seu respirar são a minha recompensa.

SALVAÇÃO - Ricardo Gondim

Enquanto vou me aprumando - ou melhor - vou tentando encontrar tempo em meio às correrias do dia-a-dia, eu (re)posto textos de algumas pessoas as quais admiro. Ricardo Gondim, a quem tive o prazer de indicar a leitura de um livro do Paulo Freire, me impressiona pela ousadia em dizer o que muitos outros não dizem ou por covardia ou por conveniência mesmo. Sem contar que acho a sua escrita esteticamente bela. Vida longa, pr. Gondim!!!


Salvação
Ricardo Gondim


É preciso aprender a nadar entre as margens do bem e do mal, do ódio e do amor, da delicadeza e da estupidez. É preciso aprender a flutuar; encher os pulmões de nitrogênio e acompanhar o vôo dos balões. É preciso também acocorar-se ao lado dos irmãos que foram agrilhoados à crueldade da vida.

É preciso aprender a levar-se a sério. Mas não tão a sério que fique impertinente, malas sem alça. Tem hora que é bom viver sem propósito, ao sabor dos ventos. Cantar no coral das cigarras, enquanto formigas seguem em fila, sem saber porque obedecem à rainha. Vez por outra é bom considerar Deus um “cara muito legal”, compreensivo e longânimo, que não mete medo, mas nos faz sentir íntimos.

É preciso aprender a acordar tarde; a comer chocolate até enjoar; a comprar perfume caríssimo para dar de presente a alguém especial; a sentar para almoçar sem hora para acabar; a desligar o telefone celular; a conversar um monte de besteira só para rir à solta; a conversar com doido; a ler romance.

É preciso aprender a falar da morte, mas não ser mórbido; a acompanhar esportes, sem ficar muito deprimido com derrotas; a aplaudir trapezistas, equilibristas, contorcionistas, mágicos; a nunca confundir solidariedade com comiseração; a não esconder a inveja debaixo do lençol da discordância; a cantar no banheiro.


Soli Deo Gloria

VIDEO 9 - Andy McKee, ah se eu tocasse assim

Levi Nauter


Ah, se eu tocasse bem violão. Sempre gostei desse instrumento, mas não tenho muita habilidade e, agora, nem tempo para estudar. Resta-me admirar os que fazem isso bem. Tornei-me fã de Andy McKee graças ao músico e amigo Marco Aurélio - um estudioso de violão e guitarra. Salve Marco!

Curtam o Andy


VIDEO 8 - o mestre Chico





Adoro essa música. A letra, como tudo do mester Chico, diz muito mais do que se pode ler. Tanto a letra quanto a música são dele. Acompanhemos.

Hoje eu sonhei contigo, tanta desdita, amor nem te digo
Tanto castigo que eu tava aflita de te contar

Foi um sonho medonho desses que às vezes a gente sonha
E baba na fronha, e se urina toda e quer sufocar
Meu amor vi chegando um trem de candango
Formando um bando mas que era um bando de orangotango pra te pegar
Vinha nego humilhado, vinha morto-vivo, vinha flagelado
De tudo que é lado vinha um bom motivo pra te esfolar
Quanto mais tu corria mais tu ficava, mais atolava
Mais te sujava, amor, tu fedia, empesteava o ar
Tu que foi tão valente chorou pra gente, pediu piedade
E, olha que maldade, me deu vontade de gargalhar

Ao pé da ribanceira acabou-se a liça e escarrei-te inteira
A tua carniça e tinha justiça nesse escarrar
Te rasgamo a carcaça, descendo a ripa, viramo as tripas
Comendo os ovos, ai, e aquele povo pôs-se a cantar

Foi um sonho medonho desses que às vezes a gente sonha
E baba na fronha e se urina toda e já não tem paz
Pois eu sonhei contigo e caí da cama
Ai, amor, não briga, ai, não me castiga
Ai, diz que me ama e eu não sonho mais

A Páscoa, a festa

Levi Nauter


No meu tempo de guri (atualmente sou um guri, digamos, mais experiente), amava dois eventos que ocorriam na igreja fundamentalista que eu frequentava. Nessa época, o templo ficava abarrotado de gente. Pessoas que nunca pisavam numa igreja estavam lá, descaradas, aguardando o final do evento. Descaradas não tem aqui sentido pejorativo senão estratégico, bastará uma reflexão sobre o processo de formação de tal palavra para se descobrir. Note-se, voltando ao tema, que o mais importante era o final do evento e não o evento em si. Mais interessante era que eu, nascido e criado naquele ambiente igrejeiro, também ansiava pelo final da coisa.

Um dos eventos ocorria anualmente no mês de dezembro. Era o Natal. O outro era a Páscoa, que não tinha precisamente uma data definida. Em tais momentos a criançada era incentivada a ‘declamar’ poesias, encenar jograis e esquetes. Ainda lembro da vergonha que eu tinha em ter de dizer coisas como “Jesus nasceu em Belém, no meu coração também”. Na Páscoa, geralmente sobrava-me a opção de cantar a estridente Via dolorosa. Em muitas dessas ocasiões, ter que subir no palco era-me uma via dolorosa. Porém, o final era promissor. Bastava a nós pequenos seres subir no palco lembrando que cada um que declamava diminuía o tempo de espera.

Mas, afinal, o que acontecia ao fim dessas reuniões? Por que enchia o templo em tais eventos?

Ganhávamos um pacote com doces.

O natal era maravilhoso porque após as declamações eu me deliciava com bombons, mandolate, pipoca, balas e o desafiador quebra-queixo. Na época da páscoa uma ação entre irmãos proporcionava o acréscimo do chocolate, ocasião em que se evitava a colocação do coelho. Os dois eventos também eram bons porque nessa época a gente podia ser criança e não mini-adulto. Nessas épocas eu podia ser eu. Nas duas datas os discursos eram mais leves: falava-se mais sobre Cristo e menos de regras.

Tempos depois apareceu um pastor azedo; uma espécie de limão. Um pastor que devia ter, em vez da Bíblia, um balde de água fria. Ele amava jogar água fria nas crianças e nos adultos. Ocorre que criança reclama menos, tem alguns medos e algumas vergonhas. Com esse pastorzinho descobrimos a maldade. Ou melhor, ele devia ‘perder’ algumas horas da sua preciosa vida procurando diabos em tudo para, em seguida, nos apresentar. Era proibido olhar desenhos animados – havia, na opinião dele, insinuações homo ou incitações à violência. Era proibido ouvir ‘música do mundo’ (mesmo que as do outro mundo não nos tivessem chegado). Era proibido jogar bola. Era proibido montar árvores natalinas. Era proibido, por fim, ganhar ‘ovo de páscoa’. Era o pastor desmancha prazer. Eu não entendia por que um pastor quase odiado pelas crianças (odiar era um verbo proibido) era tão amado pelos pais. Hoje entendo, claro.

E a Páscoa? Bem, a Páscoa tem todo aquele significado da ressurreição de Cristo que não vou falar porque muito já se falou a respeito e porque há uma penca de livros que tratam disso muito bem. Também tem a ver com a “data em que os judeus comemoram a libertação e fuga de seu povo escravizado no Egipto”. Para isso basta o Google.

Para mim a Páscoa tem uma representação mais particular que não se desgruda do que me referi no parágrafo anterior. Vejo-a como uma festa – tanto porque celebramos a ressurreição de Cristo, quanto porque comer doce é muito bom. Nas poucas vezes em que minha saudosa mãe colocava amendoim na casca de um ovo, pintava-os e escondia-os, eu tinha a sensação do desafio. O desafio de encontrar um mistério: como aquele ovo tinha ido parar num determinado lugar. Era um desafio mágico, na minha cabeça de criança; era um milagre fantástico. Milagre puro. Milagre que me tornou apaixonado por literatura. Porque só a literatura tem esse poder misterioso que mete medo e, ao mesmo tempo, dá prazer. Desconfio, portanto, que a Páscoa tornou-me leitor.

Eu pretendo seguir o mistério. Meu desejo é, inclusive, pintas as patinhas do coelho pela casa para ver a reação da Maria Flor. Terei o maior prazer em vê-la pulando de alegria e já me imagino chorando de regozijo com minha filha. E será que Deus não é assim? Seria Deus um insensível que odeia coelhos e crianças? Claro que não, e a Bíblia deixa isso claro. A falta do mistério, a meu ver, é que cria o teólogo burocrata ou o pastor azedo.

Quanto ao Egito, lembrei de uma música que ouvi com o David Quilan, Coming out of Egypt (Saindo do Egito) – do CD Som da Chuva 2. No encarte havia uma nota propondo que o significado do título da canção tinha a ver com deixar de lado os vãos costumes eclesiásticos, deixar para trás as regras e barganhas, etc. Eu também saí do meu Egito. Para mim (e só para mim), significou deixar a instituição para conhecer mais o Deus de quem sou filho. Significou ainda ignorar os pastores azedos e burocratas cristãos. Prefiro continuar celebrando a Páscoa como um tempo de festa, de júbilo porque Deus escolheu morrer por mim. Quero repassar isso para a minha Flor. Espero que até lá acabe, de uma vez por todas, os malabarismos com a palavra chuva (som da chuva, faz chover, dançar na chuva, entre outras criatividades). Quero celebrar também com meu chocolate, minha pipoca, meu filme. E como quebra-queixo, talvez eu releia o ótimo Pessach…, do Carlos H. Cony – um cristão às avessas.


Este texto foi publicado no dia 06-04-09 noutro espaço virtual onde escrevo mensalmente: www.osprotestantes.wordpress.com

GRAVIDADE 10: o melhor presente do mundo


Levi Nauter





[GRAVIDADE: o melhor presente do mundo] – levi nauter

O texto a seguir foi escrito no dia 24-03-09, um dia completamente inesquecível na minha vida e na vida da Lu. Nessa data nasceu a nossa princesa, a nossa rainha, o nosso presente divino, a nossa Flor.



Neste momento a paisagem que nos cerca é linda. Passamos por um trânsito louco, mas agora tudo o que vemos é verde, bastante verde com alguns ‘pingos’ de árvores floridas. Da janela em que estou o entardecer não deixa a desejar – também é lindo. São 18 horas do dia 24-3-09.

Estamos no Centro Obstétrico do belo Hospital Divina Providência1. Alguns exames complementares foram necessários devido algumas suspeitas da nossa atenciosa doutora Débora Fichtner. Nosso nervosismo é intenso. Já choramos, rimos e dissemos pra nossa filhota aguardar mais um pouco. Acreditamos que tudo ficará bem.

A Lu foi chamada para os tais exames. Enquanto isso, eu, nervoso, fico na torcida e escrevendo esse texto como forma de alívio à tensão. O raciocínio e o polimento me escapa, toda a minha concentração está lá na ampla sala de investigações médicas.

Nossa filha é intensamente aguardada; contudo, não queremos que nada seja adiantado.

Vinte horas. A tensão está grande. A Lu ainda não voltou dos exames. Eu nada comi, a fome se foi. Ando de um lado ao outro. Para minha sorte, as atendentes (ou recepcionistas, não sei como elas deveriam ser chamadas) são atenciosas. O hospital é algo de primeira, administrado por católicos. Para quem possui convênio ou pode pagar, não há do que reclamar.

A doutora passou por mim; disse que precisamos conversar. Ela nos conhece bem, sempre cuidou da Lu. Acompanhei todo o pré-natal e fui a 95% dos exames e consultas. Isso aumenta ainda mais meus batimentos cardíacos. Comi dois pães de queijo e dirigi-me até a sala de recuperação. Nossa conversa (eu, a Lu e a médica) foi curta e clara. Meu amor estava chorando e tremendo muito. Eu, apavorado. Débora, quieta. Com aqueles lindos olhos verdes encharcados, a Lu tasca: - a Flor vai nascer hoje ou amanhã. Fiquei sem palavras por pelo menos um minuto (tudo estava acertado para do dia 15-4). A Dra. Débora entrou na conversa a fim de explicar que deveríamos evitar intercorrências. ‘Mas o que é a intercorrência?’ – indaguei com os nervos à flor da pele. Sem dó nem piedade ouvi a resposta: “a falência do feto. Vocês precisam tomar uma decisão; porém, acho que deveríamos fazer os procedimentos hoje”.

No ato, pensamos que tanto eu quanto a Lu entendemos (ainda que com muito a aprender) de educação e não de medicina. Portanto, autorizamos os procedimentos. A partir daí se seguiu uma outra maratona: a Lu foi para a preparação (o pré-parto) enquanto eu corria com a papelada e buscava um contato com alguns parentes. Como saíramos para simples exames de rotina, não havíamos levado roupas, nem para a mamãe tampouco para nossa joia.

Meus pensamentos era um turbilhão. Há pouco, a filha fazia parte de planos. Depois a gravidez. Em seguida, exames e mais exames. Hoje deveria ser mais um dia. Na agenda, uma ecografia (eu preferia dizer que ia assistir à minha filha na televisão). De repente eu estava num Centro Obstétrico me preparando para ver aquela de quem a gente apenas falava. Ganhei roupas especiais, chave de armário. Vesti-me. Fui para a sala de pré-parto ficar perto dos meus dois amores. A pequena ainda era uma imaginação. Como seria o rosto? As mãozinhas? Os pezinhos? Tudo imaginação até então.

Às 22 horas, a Lu se foi sorridente para a anestesia e a, digamos, preparação final. Os minutos demoraram, alguns parentes estavam a caminho, traziam máquinas para o registro histórico, traziam roupas para os meus amores. Meu choro se misturava com risadas, com curiosidades.

Às 22h19m eu estava ao lado da Dra. Débora vendo meu grande sonho se realizar. Aquele pequeno ser com quem eu muito falara e cantara estava aparecendo. Sempre fora meu sonho ver o rosto do maior feito de minha vida. Agora era fato. Toda branquinha, toda perfeitinha, toda linda, toda delicada, toda bendita pelo céu, toda... sei lá... faltam palavras. Tudo ao redor pareceu parar, inexistir. Nada mais importava. Ela parecia ocupar todos os cantos da sala de cirurgia. Com trinta e quatro semanas, a precaução e as estatísticas fizeram com que a UTI Neonatal estivesse de prontidão – aguardando nossa Flor.

Como diz o poeta, Maria é um dom, uma certa magia. Ela chorava, se esperneava. Foi a tal ponto que a pediatra disse: - se ela continuar assim não vai para a UTI. E ela chorou. Chorou. Chorou. Não foi para a UTI. Fiquei absolutamente o tempo todo com ela: desde o nascimento até volta para a mãe. Acompanhei o primeiro banho, notei sua inocente força. Também vi ser dada a primeira injeção.

Resta-me agradecer a Deus. Sua perfeição foi dada a mim como uma sombra. A Maria Flor é o sinal do amor de Deus na minha vida. Ela é tudo o que sempre sonhei. Sempre me pareceu que a vida sem um filho não teria graça. Agora minha vida tem graça. Graça divina, graça de menina. Tudo Graça, de graça.

Seja bem-vinda pedaço de mim. Tenha vida longuíssima pedaço mais perfeito de mim.

Maria Flor, você completa a minha alegria e a alegria da Lu.

Maria Flor, nós te amamos.





1 www.divinaprovidencia.org.br. No link Bebês é possível buscar pela Maria Flor.


ao pastor Leandro

Levi Nauter

Quero agradecer ao pastor Leandro em público

Quem tem muitas amizades sempre tem muitos falsos amigos. No entanto, há amigos que acabam sendo mais fiéis que um irmão.

Provérbios 18.24




Quero agradecer ao pastor Leandro em público. Com ele tenho aprendido que a vida é um processo, que aprendemos cotidianamente despindo-nos de nós. Digo isso porque já tivemos perrengues, tivemos grandes discussões (algumas pra recordar, outras pra esquecer) e também tivemos silêncios. Sobretudo, tivemos respeito. Tivemos e temos o mesmo sonho: morar no céu. E isso é o que importa.
Meu agradecimento é porque também importa o up dado por ele ao meu computador, o que viabilizou esse e outros textos (eu ainda gosto de iniciar meu texto num caderno, só depois passo a limpo tentando melhorá-lo).
Meu agradecimento é porque importa o up dado a minha vida musical. Contigo conheci outras nuances da música, principalmente da música cristã internacional. E isso não tem preço. Nada do que eu faça pagará esse aprendizado. Deus te pague.
Obrigado pelos momentos de comunhão na segunda-feira, 06-4-09.


JESUS - sem mensagem subliminar

É preciso muita arte, muita tranquilidade e muita confiança em Deus para entender essa bela música como arte pura. Como um alerta naquilo que podemos mudar rumo a eternidade.

FALA MESTRE DOIS



O testemunho que nos deram foi sempre o da compreensão, jamais o da intolerância. Católica ela, espírita ele, respeitaram-se em suas opções. Com eles aprendi, desde cedo, o diálogo. Nunca me senti temeroso ao perguntar e não me lembro de haver sido punido ou simplesmente advertido por discordar.

Paulo Freire



Paulo Freire, ao se referir aos pais. O trecho está na pág. 55 de Cartas a Cristina: reflexões sobre minha vida e minha práxis. Direção, organização e notas Ana Maria Araújo Freire. 2.ed.rev. São Paulo: Editora UNESP, 2003. [Série Paulo Freire]

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minha alegria

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Maria Flor

Sobre este blog

Para pensar e refletir sobre o cotidiano de um cristianismo que transcende as quatro paredes de um templo.


"Viver é escolher, é arriscar-se a enganar, aceitar o risco de ser culpado, de cometer erros" [Paul Tournier]

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LEVI NAUTER DE MIRA, doutorando em educação (UNISINOS), mestre em educação (UNISINOS) e graduado em Letras-português e literatura (ULBRA). Tenho interesse em livros de filosofia, sociologia, pedagogia e, às vezes, teologia. Sou casado com a Lu Mira, professora de História, e pai da linda Maria Flor. Adoramos filmes e séries.

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  • textos sobre EDUCAÇÃO (livros, revistas, artigos)
  • PROIBIDA A ENTRADA DE PESSOAS PERFEITAS, de John Burke
  • OS DESAFIOS DA ESCRITA, de Roger Chartier