Levi Nauter
Nesta quarta-feira, dia
31-10-12, celebrou-se em diversos lugares o tal Halloween. Obviamente que, tanto por questões de tempo quanto de
perder tempo, não vou ficar divagando sobre as origens dessa festinha. Não é
esse o foco do meu texto. Por outro lado, corro o risco de que muitos cristãos,
sobretudo os evangélicos e, destes, os mais fundamentalistas fiquem buscando
minhas falhas textuais para, a partir delas, escreverem contra mim. Mas também
não é esse o foco do meu texto.
Eu quero é falar sobre
aqueles pais que, não podendo colocar seus filhos em escolas confessionais,
querem – mesmo que indiretamente – dar ordens à escola pública. Sim, eu trabalho em escolas públicas há 14
anos e, mesmo antes, sempre fui aluno de escola pública (a exceção da
faculdade). Então falo com uma certa propriedade, embora eu não seja – graças a
Deus – o dono da verdade.
Não são raras as
oportunidades em que pais ou responsável por alunos e alunas chegam à
secretaria da escola, para efetivarem a matrícula, e perguntam: “vocês fazem
alguma festa, alguma comemoração das quais meu filho não possa participar?”. Nesses
momentos eu me lembro dos episódios de Todo
mundo odeia o Chris[1].
Neles, quando o Chris diz uma coisa e pensa outra, a cena mental (no caso, o
que seria verdade para a personagem) aparece. Geralmente eu digo uma coisa
pensando noutra. Embora eu diga “mãe (ou pai, dependendo do caso), nossa escola
é pública e não se manifesta sobre nenhuma religião em especial; apenas
trabalha-se com algumas datas comemorativas”. Se o pai, a mãe ou ambos são evangélicos,
a primeira pergunta, acompanhada da resposta, leva a outra: “e o halloween?”.
Muitos cristãos têm verdadeira
ojeriza à palavra de origem inglesa. Halloween, para esses, equivale a diabo, a
prostituição ou coisa que o valha. Estranho é não terem as mesmas ressalvas em
relação à palavra Natal – hoje tão explorada comercialmente quanto àquela
encapetada que não quero citar. Vou homenagear essas pessoas e também vou parar
de citar halloween. Vou fazer mais, riscá-la-ei do meu léxico. Assim, posso
muito bem – pela cosmovisão igrejeira, me esbaldar no Natal e na Páscoa
(palavras, digamos, mais sacras).
Ora, para que um filho ou
filha se torne um cidadão de respeito, uma pessoa cumpridora de seus deveres e
blá-blá-blá ele ou ela têm de viver. Viver a realidade. Muitos cristãos,
infelizmente, confundem as coisas periféricas com aquilo que é essência. Sinto muito
discordar desse pessoal, mas eu lamento que na minha infância não pude ler
sobre bruxas e princesas, sobre príncipes e bruxinhos. Sinto muito que os
contos de fadas não fizeram parte de um momento importante na minha primeira
infância. Depois, nem a poesia tomou conta de mim. Apenas o pragmatismo, o
moralismo; em seguida, o teologismo. Durante muito tempo eu fui, guardadas as
devidas proporções, um Saulo, ou seja, um esquadrinhador de textos. Qualquer coisa
lida tinha – obrigatoriamente – que ser útil para o dia seguinte. Manuais
teológicos, chaves bíblicas e outras obras que me prescrevessem e não as que dialogassem eram as minhas preferidas. Ah,
como mudei.
Quanto tempo perdi lendo
monólogos e não diálogos. Como demorei para ver a bíblia como um conjunto de
livros que fala de humanidades, de justiça, graça e amor divinos (e
sobremaneira dos dois últimos). Que pena não ter percebido antes a importância
quase divina de se ler Gabriel Garcia Marquez, Saramago, Guimarães Rosa,
Machado, Drummond, Quintana, Lispector – entre tantos e tantos outros e outras profetas
profanos.
Por outro lado, se vale (e
acho que vale) o adágio ‘antes tarde do que nunca’, agora que ando “cheirando
os quarenta anos” tenho toda a tranqüilidade que a idade vai me dando para
buscar o tempo perdido. Tempo que é parte da minha história; sendo assim, em
vez de ignorá-lo quero compartilhar tais experiências para que os mais novos
tenham mais sorte.
A gente não deixa de ser
verdadeiro cristão porque viu de perto uma abóbora fazendo careta. A gente não
vai para o inferno porque tem uma vassoura igual a daquela bruxa, sabe? Tampouco
perderemos a vida eterna porque gostamos de histórias fantásticas. Mas também a
gente não irá para o céu porque olhava Avenida
Brasil e não olha a Salve, Jorge.
Esse Deus interesseiro, barganhador, que premia por tarefa é uma criação
humana. Esse Deus não existe.
Há muito mais para pais e
mães se preocuparem numa escola[2] do
que simplesmente saber se nós (eu trabalho em duas escolas diariamente)
trabalhamos o danado do Halloween ou a Semana da Consciência Negra.
A educação, inclusive a
religiosa, vem de casa. A escola é um lugar onde se compartilha o conhecimento ou
se transforma informação em conhecimento. Ademais, o saudável confronto de ideias
é uma forma de ratificar ainda mais nossas crenças. Aprendamos isso.