Mais um brilhante texto do mestre - literalmente - Ricardo Gondim.
Resgatando
a brasilidade da nossa fé
Ricardo Gondim Rodrigues
Ricardo Gondim Rodrigues
Sempre
achei curioso o fato de o código de acesso telefônico para os
Estados Unidos ser 01 e o do Brasil, um longínquo 55. É que, na
nova ordem globalizada, eles são a matriz. Merecem o primeiro lugar
até na discagem direta internacional. Já o nosso número pode
significar simbolicamente a distância com que o império nos
enxerga.
Os
americanos são verdadeiramente a nova matriz do mundo. Possuem um
poder militar amedrontador, que policia os mares, as montanhas e
florestas do planeta. Sua moeda é o referencial financeiro dos
mercados. Investem mais dinheiro na ONU que qualquer outro país e
assim podem vetar ou aprovar moções da comunidade internacional.
Publicam mais livros, lideram em investimentos em pesquisa
tecnológica e assim possuem o maior número de cientistas detentores
do Prêmio Nobel. Quando queremos nos divertir, assistimos aos filmes
que eles produzem. Quando os países pobres enfrentam apuros
financeiros correm para Nova York pedindo um novo empréstimo. Os
americanos são tão poderosos que conhecem pouco o que acontece em
outros países. Eles se bastam. Por isso é que muitos continuam
achando que Buenos Aires é a capital do Brasil e que as cobras ainda
passeiam por nossas cidades.
Os
brasileiros idolatram a América. Avaliamo-nos, cabisbaixos, como um
povinho medíocre destinado a ser vassalo de uma grande potência.
Preferimos suas músicas, embora não entendamos a letra. Não
valorizamos devidamente nossa arte, cultura e história. Milhares já
emigraram para lá. Aceitam lavar pratos e chão de cozinha por
dólares tão escassos por aqui. Achamos que os parques de diversão
americanos são mais interessantes que nossas praias de areia branca
com sol quente e água morna.
Recentemente
visitei uma famosa faculdade bíblica nos Estados Unidos. Gastei
algumas horas na sua livraria. Maravilhei-me com a quantidade de
títulos publicados, encantei-me com a profundidade teológica e a
seriedade com que os diversos temas são abordados. Porém,
entristeci-me ao constatar que não havia nada, em nenhuma
prateleira, de autores latino-americanos. Brasileiros então, nem se
fala! Lá na sede do império não se sabe quase nada sobre os
evangélicos latino-americanos, a não ser rumores de que um grande
avivamento ocorre por aqui. Estamos tão distantes da cultura
americana como está o Conde Zinzendorf e sua misteriosa Morávia da
realidade atual. Indignei-me quando li o famoso Este Mundo Tenebroso,
de Frank Perreti. A trama do livro é a batalha espiritual que
acontece em uma cidadezinha americana do interior que seria dominada
por uma seita da Nova Era. No último capítulo, os demônios são
finalmente vencidos e expulsos. Para onde eles vão? Para o Rio de
Janeiro!
Nessa
última visita aos Estados Unidos, preocupei-me em assistir aos
programas dos televangelistas, conversar com os evangélicos sobre
política e ouvir o conteúdo das pregações. Espantei-me ao
perceber como os programas (principalmente os carismáticos) procuram
imitar as grandes produções hollywoodianas. Os pastores se produzem
com gel no cabelo e vestem ternos caríssimos. Suas esposas,
carregadas de maquiagem, parecem personagens de outro planeta. Algo
destoa quando falam do Jesus de Nazaré, que foi simples e viveu uma
vida singela. O conteúdo dos sermões tem duas polegadas de
espessura. As megaigrejas são construções suntuosíssimas, com
luminárias de cristal, tapetes maravilhosos e assentos
confortabilíssimos. Financiadas com empréstimos a juros baixos,
erguem-se à beira das auto-estradas como símbolos da parceria de
mamom e Jeová, que a cultura americana promove tão bem.
Os
evangélicos americanos gostam muito do Partido Republicano. Veneram
o seu presidente e acreditam que a sorte de seu país está ligada à
obrigatoriedade da prece nas escolas, à proibição do aborto e à
denúncia do homossexualismo. Não lhes interessa muito a emissão de
gás carbônico na atmosfera (a maior do mundo), o descaso com a
epidemia de aids na África e a desigualdade nas suas relações
comerciais com os países miseráveis do planeta. Nenhuma denúncia é
ouvida dos púlpitos americanos quando sobretaxam as importações e
subsidiam a sua agricultura, falindo a economia primária das nações
pobres. O american way of life (estilo de vida americano) e o
evangelho são irmãos siameses. Quase impossível de se separarem!
A igreja
evangélica brasileira repete o mesmo comportamento do restante de
nossa nação. Também nos vemos com autodesprezo. A grande maioria
dos nossos livros é tradução dos best-sellers americanos (alguns
rasos e descontextualizados). Traduzimos suas músicas e nos
maravilhamos com o poder espiritual de seus evangelistas. Convidamos
pastores americanos para ministrar em nossos congressos sobre
espiritualidade porque os consideramos mais íntimos de Deus. Eles
nos ensinam métodos de crescimento da igreja e alguns chegam por
aqui com pretensa autoridade apostólica, soprando sobre os
auditórios para que as pessoas caiam. Balançam o paletó
acreditando que uma onda espiritual sacudirá o povo. A ironia disso
tudo é que aqueles que nos ensinam sobre espiritualidade vêm de
subúrbios limpos, moram em casas calafetadas no inverno e
refrigeradas no verão. Nunca presenciaram uma cena de violência
urbana, jamais foram assaltados. Não gastam mais que 15 minutos no
trânsito e convivem com uma congregação com renda per capita de
mais de 50 mil dólares por ano. Só porque conseguiram aumentar sua
congregação para mais de 2 mil membros, vêem-se habilitados a nos
ensinar como fazer uma evangelização explosiva. Porque são
habilidosos em manipular um auditório entorpecido pela euforia
religiosa, acham que podem nos ensinar uma “nova unção” que
derruba as pessoas no chão.
Eu
gostaria de ser mentoreado sobre espiritualidade por um pastor que
ora, lê as Escrituras e medita nelas, a partir da periferia das
grandes cidades do Brasil, verdadeiras zonas de guerra. Porque sou
brasileiro, quero ouvir mais dos pastores que cuidam de congregações
lotadas de gente desempregada e aflita com a instabilidade da
economia. Porque também convivo com a dura realidade da violência,
quero aprender a aconselhar com pessoas que sabem o que é cuidar de
gente que já testemunhou chacinas ou que já foi assaltada à mão
armada.
Prefiro
conversar com um desses plantadores de igrejas anônimos que já
construíram várias pequenas igrejas sem recursos a ouvir de
teóricos sobre o método gerencial mais eficaz que faz uma igreja
crescer numericamente, mas que nunca plantaram, eles mesmos, uma
igreja sequer.
Apesar
de sermos ainda muito imaturos e vulneráveis a tantos modismos, o
jeito brasileiro de viver a fé é fantástico. O fervor com que se
louva a Deus, por aqui, é contagiante. As diversas expressões
missionárias, mesmo ainda meio indisciplinadas e anárquicas,
mostram-se bastante frutíferas. Haja vista, o pipocar contínuo de
igrejas que se estabelecem nas redondezas pobres das grandes cidades.
Sobejam exemplos de missões que alcançam prostitutas e travestis, e
que ninguém valoriza devidamente. Os galpões velhos, os cinemas
abandonados, lugares outrora esquecidos que viraram templos, são
espaços simbólicos da incursão evangélica em setores esquecidos
da sociedade.
O Brasil
evangélico é um contraponto à complacência cristã do Primeiro
Mundo. A nossa taxa de crescimento é uma das maiores de todo o
mundo. Nosso zelo missionário, invejável. A mobilização da igreja
impressiona quem se interessa em estudá-la. Vencemos preconceitos
denominacionais em larga escala e pastores de diferentes tradições
convivem sem maiores problemas. A instabilidade econômica nos forçou
a aprender a sobreviver dos dízimos e ofertas semanais. Não somos
uma igreja endividada. Artesanalmente montamos nossos corais.
Artesanalmente estabelecemos centros comunitários em zonas carentes.
E artesanalmente tentamos cumprir a missão integral.
O
problema é que, ao reproduzimos na igreja evangélica a mesma baixa
auto-estima nacional, não conseguimos ter mais teólogos com
intrepidez de publicar suas reflexões e idéias, mais pastores que
escrevam sobre suas experiências em suas comunidades, mais poetas e
escritores que nos brindem com suas meditações e ficções.
Com
tanta riqueza ao nosso redor, sugiro procurarmos não nos embasbacar
olhando para a “matriz” e desejando ser iguais a ela. Resgatemos
nossa identidade cristã nacional e façamos de nossa brasilidade um
motivo de orgulho. Desvencilhemo-nos da dependência dos modelos
importados, que podem ter relevância lá, mas que dizem tão pouco
para o que vivemos aqui.
Mãos à
obra, pastores, seminaristas, cantores, missionários, evangelistas,
escritores, poetas e professores brasileiros. Temos muito que fazer!
Soli Deo
Gloria
FONTE: www.ricardogondim.com.br
0 comentários:
Postar um comentário