TEOLOGIA
DO CURRAL
Levi
Nauter[*]
Aqui
no Rio Grande do Sul, mais especificamente na Assembléia de Deus de Canoas, eu
continuo pertencendo à lista de frequentadores (chamada por eles de membresia),
embora dela eu tenha saído em 2003 oficialmente (porque em pensamento eu já
estava longe há mais tempo) e não tenha nenhuma saudade. Isso explica pelo
menos duas questões.
A
primeira delas diz respeito aos números de congregados ou fieis a ela
subordinados. Incrivelmente passo na frente de alguns templos com um número
minguado de pessoas; além disso, sei de gente que andou “abrindo” igrejolas
paralelas e ‘roubou’ membros de outras denominações – sobretudo assembleianos. É
uma promiscuidade só, todo mundo quer o membro de todo mundo. Assim como no
Brasil (note-se os Wellingtons Bezerras e a família Valadão), nosso estado
possui igrejas cujas direções provêm de uma árvore genealógica. Em outras palavras,
temos a igreja dos Figueirós (Encontros de Fé), a igreja do Eraldo (Rio de
Deus), a do Gilberto (Batista Filadélfia), a do Paulo (Mover) e mais uma penca
de outros ditos ministérios espalhados em várias localidades gaúchas. O mais
triste, do meu ponto de vista, são as razões para as criações: Deus e
perfumarias. Deus porque sempre ele leva as culpas. Nas igrejas ‘pente’ ou
neopentecostais Deus tem as costas largas: a bênção virá de Deus, o dízimo e as
ofertas são para a obra de Deus; se trabalhamos ‘na obra’ a recompensa virá de
Deus. E quando há um racha, adivinhe a quem vai a culpa? Sobre isso, um
exemplo.
A
igreja do Mover, para existir, rompeu relações com a Luterana da qual fazia
parte. No entanto, quando olhamos e lemos o sítio parece outra coisa. É possível
notarmos uma divinização de fatos corriqueiros, a meu ver, muito mais
relacionados a questões de incompatibilidade de gênios (diria João Bosco[1]).
Então, para não dizer algo do tipo “a coisa tava ruim e resolvemos sair fora,
montar uma igreja”, diz-se assim:
“começamos a
conhecer e a experimentar, em plenitude, o agir do Espírito Santo em nossas
vidas [...]entendemos da parte de Deus que deveríamos partir para um
ministério no qual pudéssemos pregar e viver livremente [...] O Senhor...
nos levou a uma fábrica, já há dez anos abandonada, em ruínas, por conta de um
incêndio. [...]outro fogo começou a arder ali - o do Espírito Santo.
Com o auxílio do nosso Deus, que moveu os corações de muitos irmãos e irmãs na
fé.”[2]
Ainda
falta um breve comentário sobre a perfumaria. Chamo assim questões praticamente
irrelevantes para que se mude de uma igreja a outra. São banalidades intrínsecas
ao ser humano. Trago como exemplo a nossa imperfeição ou, nas palavras do
educador Paulo Freire[3],
nossa incompletude. Parece-me um erro grosseiro trocar de denominação apenas
porque uma tem visão mais à esquerda e a outra mais à direita numa ideologia
política. Igualmente considero insignificante a troca em razão de uma pedir
mais dinheiro que a outra – afinal, todas pedem. Como um último exemplo de
perfumaria, conto uma experiência que vivi. Um pastor queria ‘atrair-me’ ao seu
rebanho. Na época eu era um músico na ativa. Seu argumento foi tão pífio quanto
deve ser a relevância de seu templo: “venha pra minha igreja. Aqui não é
necessário usar gravata. Não temos costumes. Só se usa no domingo à noite...”.
Ora boas![4]
Finalizando
a primeira das duas enunciações que fiz no primeiro parágrafo é hora de dizer
que, incrivelmente, eu ainda consto como fiel da Primeira Igreja Evangélica
Assembléia de Deus de Canoas. A razão dessa acertiva são as correspondências curralescas que ainda recebo, num
endereço que já não moro mais há sete anos.
Agora
inicio a segunda questão pela qual escrevi esse texto.
Chegou
às minhas mãos uma cartinha curral-eleitoreira. Sim, dois célebres (se assim se
pode chamar cidadãos comuns que se elegem deputados) fieis assembleianos são
candidatos ao legislativo; um estadual, outro federal. Sob a égide da
autoridade espiritual o pastor-mor de Canoas e o pastor-mor do estado (a dita
Convenção) tecem elogios e indiretamente pedem voto aos ‘eleitos’ da congregação.
Entre os feitos dos elegíveis? Um é pastor e, ao que parece, isso se basta. O outro,
entretanto, já fez até sessão solene na câmara estadual e distribuiu alguma
placa de homenagem, ou certificado, por alguma data igrejeira especial.
Infelizmente
muita gente irá votar assim, a partir da indicação do pastor da igreja. Argumentará,
talvez, como meu pai (um senhor de setenta e poucos anos) “a gente vota só por
votar porque as autoridades já estão escolhidas por Deus”. Ou, ainda como meu
pai, irá até um cartório eleitoral tentar não mais votar “porque não adianta
nada, ninguém faz nada”. Lembro-me, no outro extremo, da última igreja que
frequentei (Batista). O pastor ao apresentar um candidato à vereança disse: “nossa
igreja elegeu esse irmão porque ele tem o ‘ministério da política’”. A que
ponto havíamos chegado, votar em alguém pois, ao ver do pastor, o camarada era
um quase enviado do céu[5].
Minha
esperança é que as redes sociais cumpram o papel de “descurralização”
eleitoral. E que as igrejas juntamente com seus pastores (que ganham a vida pra
botar Deus em tudo) se conscientizem de que podem muito, mas não podem tudo.
SUGESTÃO DE UMA REFERÊNCIA
OYEKAN, Yinka. Manipulação, dominação e controle:
desenvolvendo relacionamentos saudáveis. Rio de Janeiro, Danprewan, 2002.
TOURNIER, Paul. Culpa e Graça.
Traduzido por Rute Silveira Eismann. São Paulo: ABU, 1985.
YANCEY, Philip; STAFFORD, Tim. Desventuras da vida cristã: as dificuldades existem, mas o final pode
ser feliz. Trad. Jorge Camargo. São Paulo: Mundo Cristão, 2005.
BLUE, Ken. Abuso espiritual: como libertar-se de experiências negativas com a
igreja. Trad. Sérgio R. Stancato de Souza. São Paulo: ABU Editora, 2000.
[1] http://youtu.be/FGsjpDkXZHE
[2] http://www.igrejadomover.org.br/content/19
[3] Paulo Freire foi um dos maiores
expoentes da educação mundial. O pernambucano, além de esquerdista, prestou um
inestimável trabalho ao Conselho Mundial de Igrejas (Genebra) quando de seu
exílio.
[4] Isso provavelmente explica minha
fascinação pela poesia cantada do Jorge Benjor: http://youtu.be/LRgqb0HvoCw
[5] http://www.youtube.com/watch?v=oyh6mSTpX5k
[*]
Levi Nauter é professor de língua portuguesa e literatura; mestrando em
educação (UNISINOS), blogueiro, casado com a professora de História Lu Mira e
pai da Maria Flor.