o desejo de ser pai

Levi Nauter


Sou um servidor público municipal e trabalho na área da educação. Também já desenvolvi minhas atividades na Secretaria Municipal de Educação. Nela, entre outras funções, fui, por um ano, ouvidor - dentro das implementações e adaptações a fim de buscar-se o reconhecimento junto ao PGQP-RS. Foi um tempo de intensa aprendizagem, questionamento, passando por momentos de desesperanças e esperanças.
A Ouvidoria foi o lugar onde mais escutei pais e mães reclamar, criticar, sugerir e discordar das ações daqueles que deveriam educar para a vida. Certa vez, uma pai queria me bater porque eu não tinha exatamente a resposta que ele esperava. Quando pais chegam na Secretaria de um município para reclamar, normalmente estão estressados de tanto já terem reclamado na escola (para a equipe diretiva, bem como para o próprio professor ou professora).
Sinceramente, era lindo ver alguns pais. Se eu pudesse, para alguns, diria "você tá muito calmo". Existem coisas que acontecem numa escola que só Deus não duvida.

Para quem ainda não sabe, comunico que sou casado. E bem casado. Há doze anos. Por que estou dizendo isso? Porque estamos numa fase de querer ter filhos. Nunca imaginamos a falta que uma criança faria. Quando passeamos ou em qualquer lugar que estejamos, parece que a meninada põe-nos lente de aumento. Só enxergamos crianças.
Correndo, pulando, sorrindo, chorando, tentando caminhar, brigando, colocando a língua para estranhos, querendo colo, querendo mamá. Tudo ganha beleza. Até dormindo a criança fica linda. Quando elas falam tudo "errado", acho maravilhoso. Estudando lingüística, em meio aos exemplos de aquisição da linguagem, ficava imaginando a criança falar.
Pois, agora chegou a nossa vez. Muitas vezes, nas nossas conversas, dizemos que queremos uma criança sapeca, arteira, mas saudável. Nos perguntamos: "será mais parecida comigo ou contigo?". A emoção toma conta. Nossos olhos enchem-se de lágrimas ao mesmo tempo em que parece nos dar mais força para batalhar por alguns outros sonhos.
Quando penso num filho, penso em cansar-me de tanto brincar com ele. Penso que gostaria que ele me amasse tanto quanto eu o amarei. Gostaria que ele me visse com um parceiro, um amigo, alguém com quem poderá contar - a qualquer momento. Igualmente, quero que ele não tenha medo de mim, nem me tema; que me respeite assim como se deve respeitar a todos os seres humanos. Acho que ele não precisará concordar sempre comigo nem eu com ele, mas, que saibamos mutuamente nos respeitar e cumprir as possíveis e necessárias combinações.

É nesse ínterim que penso em Deus. Tenho dito nos meus escritos e a quem me pergunta que estou redescobrindo Deus. Por um bom tempo não chamei Deus de Pai. A minha visão de pai era diferente da que possuo atualmente, momento em que pretendo ser um. A parábola do filho pródigo ganhou uma amplitude maior após a leitura que fiz de A volta do filho pródigo, no qual o autor propõe que existem fases da nossa caminhada cristã que têm a ver com essas histórias. A fase de pai pode representar a maturidade espiritual, a maturidade no relacionamento conjugal. A, digamos, fase pai simboliza o doar-se sem espera de recompensa. Sinto-me apto a ser pai.
Pois, retomando, achava que não podia brincar, dar boas risadas, fazer trapalhadas e até traquinagens. Minha visão de Deus era a de um carrasco. Um Deus como o que me apresentaram era ruim e melhor seria não tê-lo. A única justificativa para tê-lo por perto era a consciência de que Ele era melhor que o Diabo. Os tempos mudaram, eu mudei. Minha visão de Deus tem sido outra.
Penso que Ele gosta de rir no céu. Também acho que - profeticamente - os anjos quase desafinam ao ouvir nossas criancices terreais. O que O entristece é a leviandade e a malandragem - a tentativa de passa-lO para trás. Mas o viver a vida intensamente, nesse curto espaço de tempo que possuímos - se comparado a eternidade, parece deixá-lo muito contente. Tenho certeza de que Ele quer que vivamos todas as fases da nossa vida. Sem neurose, sem culpa.
Como filho de alguém que teve um cargo importante na igreja pentecostal, posso afirmar que não pude ser criança. Fui muito mais o filho do fulano do que a criança que todos as outras podiam ser. Enquanto todos podiam fazer estrepolias, se assim agisse desabonaria meu pai. Devia ser o exemplo para dar autoridade ao meu pai. Vejam que horror. Psicologicamente, sublimava fazendo o que muitos crentes fazem ainda hoje: dava o tapa e escondia a mão. Vivia, assim, em dualidade, ou seja, se alguém me visse e comigo não convivesse considerar-me-ia um santo. Caso convivesse, mudaria logo de opinião. E, para encurtar a história, na sexta série fui expulso do colégio. Então comecei mudar.
Quando penso na aguardada paternidade, imagino meu filhote sendo criança, adolescente, jovem e adulto vivendo intensamente todas essas etapas. Quero ser um refúgio para aquela "pessoinha" que terá uma mescla de mim e da Lu. Um refúgio para que ela saiba que haverá proteção. Quero segurá-la até que ela aprenda a caminhar, a andar de bicicleta. Se eu eu tiver algum tipo de autoridade, que seja pela minha conquista e não às custas de uma criança. Espero que, tal como os pais, a criança não viva de aparências, com máscaras.
Nossa idéia é levá-la para passear, mostrar algumas belezas naturais e artísticas para a pequena criança. Pretendemos dialogar muito. Queremos ouvir a frágil voz gritando, tentando dizer o meu nome ou o da Lu. Ficamos imaginando os gestos, as mãozinhas. Ficamos bobos...
Hoje tenho certeza de que Deus se alegra comigo muito mais do que fica triste. Mesmo quando triste, não diminui seu amor por mim - e essa é a melhor notícia: saber que um pai não perde o amor por um filho. Um filho pode até desdenhar os pais, mas estes não fazem o mesmo. Ele não me ama nem demais nem de menos. Ama-me por completo, sabendo que vou cometer muitos erros, que vou desdenhá-lo.
Digo várias vezes pra Lu que a imagino com aquele barrigão. Pretendo conversar com o neném desde os primeiros meses de gestação. Vou me sentir como uma espécie de Deus: o filho ou a filha sairá à nossa imagem e semelhança.
Ouvi uma música lindíssima, de Jesus Adrian Romero, que expressa muito bem esse sentimento. Ela chama-se Me dice que me ama. Leiamos:

Me dice que me ama
Cuando escucho llover
Me dice que me ama
Con un atardecer
Lo dice sin palabras
Con las olas del mar
Lo dice en la mañana
Con mi respirar
Me dice que me ama y que conmigo quiere estar
Me dice que me busca cuando salgo yo a pasear
Que ha hecho lo que existe para llamar mi atención
Que quiere conquistarme y alegrar mi corazón
Me dice que me amaCuando veo la cruz
Sus manos extendidas
Así tan grande es su amor
Lo dicen las heridas
De Sus manos y pies
Me dice que me ama
Una y otra vez


Que Deus maravilhoso! Que redescoberta aliviante. Saber que Ele me aceita como sou não tem preço.
O grande desafio no qual me vejo é o de reproduzir na Terra minha função evangélica de pai. Ou seja, ajudar as pessoas tanto quanto for possível, desvendar as mitificações igrejeiras; fazer combinações e, na medida do possível, enfatizar a autonomia cristã de cada um. Não pretendo ensinar a descobrir a roda. A roda já foi descoberta e faz tempo. Quero apenas tentar mostrar, cotidianamente, que há diversos tamanhos. Não vou ensinar ninguém a tomar posse de bênção alguma, nem quero orar determinando a cura de nada, tampouco vou requerer ofertas e dízimos - embora o capitalismo aliado ao Reino seja atraente e, logo, tentador. Quero sempre frizar que existem bênção e existem curas, mas que dependem do querer de Deus, no tempo dEle.

No recreio, a escola fica em polvorosa. As crianças não param um segundo. Brincam de pega-pega, esconde-esconde, 'ovo podre', o famigerado e politicamente incorreto 'atirei o pau no gato' e até o antiguíssimo 'marcha soldado'.
'Marcha soldado' que me fez lembrar, neste instante, de uma composição muito bem feita do grupo carioca Pedro Luis e a Parede (do CD É tudo 1 real, Universal Music, 1999).

Marcha soldado
cabeça no papel
a vida de avião
não vai levar você pro céu

Música de criança tem significado adulto. Bem-aventuradas são as crianças e quão (des)venturados somos nós, às vezes.

meu jardim

meu jardim
minhas flores

minha alegria

minha alegria
Maria Flor

Sobre este blog

Para pensar e refletir sobre o cotidiano de um cristianismo que transcende as quatro paredes de um templo.


"Viver é escolher, é arriscar-se a enganar, aceitar o risco de ser culpado, de cometer erros" [Paul Tournier]

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LEVI NAUTER DE MIRA, doutorando em educação (UNISINOS), mestre em educação (UNISINOS) e graduado em Letras-português e literatura (ULBRA). Tenho interesse em livros de filosofia, sociologia, pedagogia e, às vezes, teologia. Sou casado com a Lu Mira, professora de História, e pai da linda Maria Flor. Adoramos filmes e séries.

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  • textos sobre EDUCAÇÃO (livros, revistas, artigos)
  • PROIBIDA A ENTRADA DE PESSOAS PERFEITAS, de John Burke
  • OS DESAFIOS DA ESCRITA, de Roger Chartier