[democracia e cristianismo] – texto 13


Levi Nauter




Quem começar essa leitura deve concluí-la ou, então, não saia falando mal. Do contrário, serás anátema. Levi Nauter




Considero-me alguém democrático. Respeito as opiniões alheias, dialogo com gentes as mais diversas - até por trabalhar na área da educação, área de muito diálogo e questionamentos, área em que não se engole apenas uma visão de mundo. Ao longo dos meus poucos trinta e três anos, tenho escutado de tudo tanto a respeito do mundo quanto de mim. Chamaram-me de tudo nesses anos. Vários desses chamamentos foram escutados em silêncio. Aprendi (e ainda aprendo) muito com o silêncio, ele tem sido o professor que idealizo um dia ser.



Quando penso em democracia e cristianismo penso na História. E esta não tem sido conveniente nem conivente para com os ditos representantes de Cristo. Ou seja, historicamente a Igreja não tem sido democrática. E, na minha opinião, ainda não é. Todo o discurso dela gira em torno da unicidade, de uma só voz, de apenas uma visão, da unilateralidade. Aqui cabe um, digamos, clareamento. Não sou contra a que se tenha uma cosmovisão. Ao contrário, acho até necessário para estar vivo. O problema está no desrespeito.



A Igreja, ao longo da história, não respeita outra cosmovisão que se diferencie da sua. Ela, a meu ver, tem girado ao redor do próprio umbigo e recheado essa restrita visão com textos bíblicos. Com a máxima "só Cristo salva", com a qual compactuo, as instituições acham-se no direito de execrar quem não pensa da mesma forma. As milenares religiões orientais, os movimentos sociais minoritários, entre outros, são sistematicamente desrespeitados. Assim, absurdamente tenta-se criar um lado do bem (os salvos) e um lado do mal (os perdidos). Nessa, há julgamento sim. Ou se está no barco cristão ou se está no do diabólico. Eu prefiro dizer que não estou em nenhum. Primeiro porque não acredito em fatalismos. Segundo, porque se o barco cristão significa ser institucionalizado vou preferir estar fora.



Eu gostaria que democracia e cristianismo andassem de mãos dadas. Que o respeito ao outro tivesse o mesmo significado que o livre-arbítrio. E que essas duas frases fossem sintetizadas em amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como amamos a nós mesmos. Gostaria de não ser execrado porque optei por não mais freqüentar um templo cristão. Espero pelo dia em que ser cristão não signifique vestir camiseta denominacional. Também sonho com a queima ou o lançamento no mar do esquecimento das tabelas nas quais constam quantos indivíduo fulano ou cicrano trouxe para a denominação; quanto foram batizados do grupo tal; quantas reuniões o grupo familiar fez. Para ser mais sincero, estou de saco cheio dessa ladainha.



Estou farto de ouvir milagres aqui, milagres ali. O povão, a plebe está doente e as lideranças estão com os bolsos cheios de dinheiro suado. A líderes construindo mansões ou casas tais que muitos dos seus membros nunca chegarão perto. Isso só pode ser coisa do diabo. Mas isso ninguém diz. Os discursos vazios que se ouve parecem dizer que os EUA e a pastorada brasileira vai salvar o mundo. Pastor pregando parece que nunca peca, nunca é tentado, nunca fala mal de ninguém. É perfeito, só falta morrer e ir pro céu. Chega!



Há exceções, claro, como em tudo na vida. Contudo, os que reivindicam essa liberdade e democracia cristã são tachados de ecumenistas. Tacham sem saber o que estão falando, sem a devida profundidade no estudo da palavra, do vocábulo. Esses fraternos irmãos - alguns dos quais nem sabem que eu existo - têm contribuído no meu aprofundamento com o Deus Todo-Poderoso. Esses serão os que vão (ou já estão a) enfrentar a grande tribulação gospel. São os diabolicamente chamados de rebeldes, insubmissos. Com esses me congratulo. Junto-me a eles para denunciar e anunciar. Denunciar injustiças, falácias; anunciar o Cristo que salva, que dá livre-arbítrio, que respeita, que é justiça e, sobretudo, amor.



Por enquanto estou vivendo a verdadeira liberdade. Com ela, tenho lido intensamente obras que edificam, que informam, que formam, que entretêm. Leio livremente, sem ter que ouvir sermão sugerindo o contrário, livros cristãos e não-cristãos. Diversas crenças têm passado pelas minhas mãos. E tem sido um privilégio folhear tais páginas. Poesias, contos, novelas, crônicas, cartas, desabafos, textos sagrados. Músicas diversas (como o maravilhoso grupo Mawaca, por exemplo), com a companhia da minha amada Lu, além de um bom cafezinho ou vinho. Não há como não gozar essa maravilha. E isso, pra mim, é privilégio dado pelo Deus a quem sirvo.



É por essas e outras que não vou mais discutir com quem, de antemão, quer impor. Vou optar pelo silêncio ou pelo desabafo, conforme a situação. Minha solidão tem sido muito produtiva. Estou rodeado de gente que viveu muito antes de mim, que sofreu tantas ou mais agruras: Paulo Freire, Kierkegaard, Nietzsche, Chesterton, Pagu, Ricardo Gondim, Caio Fábio, Robinson Cavalcanti, Elis Regina, V. Gogh, Gilberto Freyre, O Rappa, Mundo Livre S/A, entre tantos outros que me fogem da memória neste instante. Fogem para depois exigir companhia ao longo de páginas, por vezes, amareladas; fogem para depois compartilharem comigo os ritmos brasileiros, afro-brasileiros, maravilhosos.
Termino com o maravilhoso Freire, educador e mestre:

Estar só tem sido, ao longo de minha vida, uma forma de estar com. (...) recolhendo-me conheço melhor e reconheço minha finitude, minha indigência, que me inscrevem em permanente busca, inviável no isolamento.

Estou na aventura com Deus. Ele é o meu guia. Não aceito outro porque este teria algum conhecimento a mais, porém tão terreal quanto o meu. Com Ele é diferente e essa é a minha preferência.



Notas
FREIRE, Paulo. À sombra desta mengueira. 4.ed. São Paulo: Olho d'água, 2004, pág. 17.

A linda ilustração desse texto é um desenho da maravilhosa escritora infanto-juvenil Eva Furnari. Ela escreveu e desenho para a obra Advinhe se puder, publicado pela editora Moderna, 2.ed., 2002, p. 18.

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Para pensar e refletir sobre o cotidiano de um cristianismo que transcende as quatro paredes de um templo.


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LEVI NAUTER DE MIRA, doutorando em educação (UNISINOS), mestre em educação (UNISINOS) e graduado em Letras-português e literatura (ULBRA). Tenho interesse em livros de filosofia, sociologia, pedagogia e, às vezes, teologia. Sou casado com a Lu Mira, professora de História, e pai da linda Maria Flor. Adoramos filmes e séries.

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