Levi Nauter
Gostaria de me desvencilhar desse deus. Ele não me transmite mais aquela euforia de outrora. Considero-o mais um entre muitos. Um deus assim não merece a minha confiança. Tenho as minhas razões e espero, sinceramente, não ficar sozinho nessa empreitada.
Não posso confiar num deus que não deu inteligência aos latinos, exceto àqueles que moram no céu. Também não vejo graça (nem com gê minúsculo, tampouco com maiúsculo) num father multiforme que, no entanto, reduz os ritmos e as notas ao estilo do céu. Muito menos num ‘sinhôzinho’ que não muda de temática e fica na mesmice da água – razão pela qual me obrigam a ouvir coisas como “faz chover”, “dançar na chuva”, “...em justa medida / a chuvaaaaaaa, a chuvaaaaaaa...”; “vem sobre nós como a chuva”. Não será esse o motivo de tanta chuva aos pobres brasileiros?
Esse mesmo deus anda, por ora, atacando de danças e apaixonites agudas. A ilustração disso parece ser uma infinidade de grupos pseudoproféticos cujo mau gosto estético extrapola o aceitável. Para piorar, combine-se uma letra que empulha palavras-chaves – tais como: noiva, intimidade, apaixonado, incendiar a noiva (‘no meu tempo’ isso não era possível), entre tantas e tantas outras advindas do ‘fértil’ mundo gospel midiático. Possivelmente alguém veio do céu trazendo a boa-nova do vale-tudo a fim de abarcar o maior número de adeptos possível. E caímos nessa cilada. Afinal, nos é proibido pensar. Precisávamos ter perdido o bom-senso? Odiar a beleza e a plástica?
Embora nunca tenha ido, sinto-me um australiano. É! Lá já se canta na língua dos anjos. Noutras vezes é como se eu já estivesse no céu, essencialmente quando vejo anjos cantando na língua original: sing out, mighty to save, celebrate – Jesus – celebrate. Não sei por que todos os History Makers já subiram. Alguns felizardos latinos também já vivem na glória e, de lá, mandam ‘recados’ aos mortais: Marcus Witt, Ingrid Rosário, Marco Barrientos e a última moda entre nós, Jesus Adrian Romero.
O céu é que dita as regras. Lá está deus. Queres saber qual a cor e o jeito de sua face? Pois vá às páginas d’A cabana. Saber onde encontrá-lo? “Por que você não quer mais ir à Igreja” responde. Nada fica sem resposta, não há mistério celestial. Tudo está escrito. Como ser um cristão e andar na moda? Bastará ler o profeta Rob Bell ou o Brian McLaren, por exemplo. Ah, vem do céu o modelo dos que serão Deixados para trás.
Contudo, eu sou um besta mesmo. Decidi não cantar “o hino da vitória”, optei por não “beber dos teus rios”. Não consegui viver “derrubando Golias”, não cheguei ao fim dos “40 dias com propósitos”, nem tive “a grande virada”. Jamais descobri “the secret” e não reina em mim o american dream.
Resta-me o inferno. Não falo inglês – a língua dos anjos. Creio piamente que “no meio do caminho tinha uma pedra” e que “eles passarão...”. Tenho “vidas secas”; prefiro as veredas do sertão ou olhar os lírios do meu pampa.
Sou diabólico. No lugar da língua do céu preferi os representantes da minha: o Chico Buarque, o Zeca Pagodinho, o velho Francis Hime e o saudoso Tom Jobim. Adoro um passeio pelo Hades com essa gente. Os solfejos da ‘encapetada’ Elza Soares são de dar inveja. O que é aquela Virgínia Rodrigues? E a festança da Jussara Silveira junto com a bela Teresa Cristina e a Rita Ribeiro? E o talento, à Sansão, de Lenine? E o Raulzito que não morreu?
O inferno parece ter mais profetas. E decidi ouvi-los. Escuto o provocador João Alexandre que me tonteia com seus arranjos. Ele representa a igreja já fora de moda – a que pensa. E o que é esse poetinha Gerson Borges que vive em São Paulo, Nordestinamente? E o mundano Jorge Camargo que me ajudou a gostar de ouvir alguns mundanos como o Djavan, além de me fazer olhar melhor a poesia que não vinha dos Salmos?
No juízo final vou tocar a culpa numa penca de gente que não me mostrou o céu. E, sinceramente, espero que o Céu (de verdade) seja mais parecido com o inferno. Que tenha o meu cheiro, as minhas cores, as minhas linguagens, os meus gestos, a minha miscigenação rítmica. Acho, no fim das contas, que serei bem-vindo no céu verdadeiro. Terá chegado o fim da minha grande tribulação (é assim que me parece a música cristã midiática).
Deus, em meus delírios, encontrar-me-á no final da fila. E desconfio que Ele cantará ou assoviará um hino nas Bodas do Cordeiro: “...você que inventou o pecado esqueceu-se de inventar o perdão...”.
NOTA
Gravura de J. Borges para As palavras andantes, de Eduardo Galeano; L&PM, 5.ed.: Porto Alegre, 2007, p. 31.
3 comentários:
Olá Levi,
Há tempos não dou meus palpites por aqui...como está a Maria Flor?
Bem, li todo teu texto, como sempre ele me traz saudades da faculdade e dos estudos...
Olha, faz tempo que me questiono sobre Deus e as suas formas e existências.Ando bem desnaturada, falando a verdade (minha vó que não me escute lá no céu).
Sabe quando tu quer acreditar numa coisa, sabe que vai fazer bem e não consegue?
Por que será?
Tenho plena consciência que apesar dos questionamentos nossos racionais, a fé é necessária e faz com levamos a vida mais leve (dividindo a responsabilidade com Deus).
E não a tenho...
Outro dia assisti na tv o Pr. Silas Malafia, admiro a eloquência dele, um baita orador...
Crenças a parte, parece que quanto mais se tenta definir e "celebrar" e marchar pra Jesus, mais distante de nós ele está.
Na real, talvez eu acredite mais que ele mora em cada um de nós...
Abração, saudades das nossas filosofias de corredor!
eu tenho um Dues tremendo, e a igreja q eu vou Igreja Pentecostal Unida do Brasil maravilhosa....
espero que um dia vc conheça uma igreja que goste e seja amado e querido como eu sou na minha...
visite o blog do meu bairro (eu criei)...
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