Levi Nauter
Teve o cuidado de usar para todos as mesmas palavras, não deixando transparecer na cara nem no tom de voz quaisquer indícios que permitissem perceber as suas próprias inclinações políticas e ideológicas.
José Saramago
Receber comentários de leitores é sempre bom. Isso demonstra que se está sendo lido, ou olhado. Há, escondido, um narcisismo em cada escritor. Tenho a sorte ou o azar (é sempre uma dubiedade) de, às vezes, alguém comentar o que escrevi. Em alguns momentos recebo-os no próprio blog; noutros, via e-mail – ferramenta importante na pós-modernidade. Contudo, receber comentários não significa com eles concordar nem a eles responder. Muitas vezes o comentário poderá, por ‘n’ motivos, ser considerado pouco contribuidor para um diálogo mais amplo na discussão em tela; pode, ainda, considerar que alimentar o comentado vai gerar mais truncamentos que fluidez e/ou fruição. Noutras vezes, também, ignorar é uma boa resposta. Todas essas decisões são políticas.
No texto Política e profecia, recebi um questionamento em forma de três perguntas, feito por um leitor a quem quero bem: pastor Leandro Barbosa, teólogo, músico e com quem tenho aprendido e conhecido muito sobre louvor e adoração, essencialmente os ministérios internacionais.
Minha decisão de postar como texto e não como comentário deve-se ao fato de outras pessoas demonstrarem, ainda que implicitamente, a mesma intenção de discurso. A resposta, portanto, extrapola às questões levantadas pelo pastor Leandro e vai ao encontro de quem já fez ou faria interrogações semelhantes. Quero, antes, ratificar meu respeito a todos os que comentam o que escrevo; gostaria que mais pessoas fizessem o mesmo. Porém, também reafirmo o que já disse no primeiro parágrafo.
Vamos às perguntas.
Cara 3 perguntas???1º o fator da politica de sobrevivência, pode chamar de politica o fator de que desde que nascemos somos abrigados a nos adaptarmos a padrões de uma sociedade? ou seria apenas sobrevivência?2º Quanto a religião; a politica não é uma reação a pressão que a sociedade impõe como padrões de Igreja?tipo ela nos pede respostas, e por não as termos, apenas as recriamos com a leves pitadas de algo espiritual?3º a Politicagem esta diretamente relacionada com o fator PODER? que pensas em relação de uma revisão pessoal dos conceitos de uma liderança segundo jesus? (sic)
Algumas questões parecem-me importantes num primeiro olhar: as perguntas não estão claras como deveriam ou como seria mais adequado. Quanto mais claro o que se quer saber, mais fácil, ao menos em tese, a resposta - ou com menos bifurcações. Nós, com uma formação de terceiro grau, o famigerado nível superior, temos o compromisso de ir - mesmo paulatinamente - melhorando a escrita, aprimorando nossa morfologia, sintaxe, citando fontes, fazendo referências diretas ou indiretas a outras leituras e, nisso, respeitando as convenções do tipo ABNT; inclusive discordando dela, se for o caso.
Às considerações.
Relativo à primeira pergunta, precisamos de alguns entendimentos. O primeiro deles tem a ver com o como vemos este mundo (Terra). Há uma série de teses, teorias, propostas, filosofias, crenças, ou seja, cosmovisões que ditam nosso jeito de interagir sócio-historicamente. Essa epistemologia nos forma, queiramos ou não, dentro de determinados limites, saberes e vivências; forja-se uma cultura. Cria-se, assim, uma moral (regras) e uma ética (valores) próprias. É com base nisso que posso afirmar que não existe uma sociedade, mas, sim, sociedades. Em conseqüência, há padrões e/ou pressupostos para se fazer parte de uma sociedade. O termo política por mim utilizado faz referência ao que se refere a um grupo de pessoas - quando há jogo de interesses no qual se pesa prós e contras. Em síntese, política, nesse sentido, é uma espécie de adaptação a uma sociedade, cristã ou não, e, ao mesmo tempo, tem a ver com sobrevivência. Política e sobrevivência não são palavras dicotômicas. Muitas e muitas vezes melhor que meu texto é o de Max Weber, entre outros autores, que trata desse assunto. A obra chama-se Ciência e política: duas vocações, publicado pela editora Martin Claret.
Seguindo meu raciocínio, a resposta para a segunda questão está praticamente dada. Acrescentaria como ratificação que tanto uma possível pressão da sociedade na qual estamos inseridos como da religião a essa sociedade são políticas igualmente. Ou seja, a vida em sociedade é sempre tensa; há pressão de e para todos os lados. Importante também é a consciência de que política não significa necessariamente superficialidade. À política-partidária é mais provável. Agora, se como resposta a uma sociedade dita laica damos uma resposta cristã superficial é um problema nosso, de uma visão cristã vesga, sem profundidade. A sociedade dita laica está cumprindo com seu papel; se aceitamos suas imposições pode significar que estamos influenciando muito pouco, quase nada, o que, aliás, não é novidade. O que seguidamente ocorre é uma espiritualidade ET; nela, a (pseudo) espiritualidade não parte de nada palpável, não tem como base nosso contexto terreal nem perpassa-o. Pois, essa espiritualidade ET é, ainda bem, questionada pela sociedade que quer mais encarnação. E tem mais: só se pede ou se impõe algo se se dá lugar para isso.
Finalmente, a terceira pergunta questiona dois temas diferentes. Um deles parece claro: politicagem, no meu entender, tem tudo a ver com poder, mas com um poder que não necessariamente traz visibilidade. Significa dizer que politicagem é um arranjo, um acerto a fim de atender a alguns interesses que podem até ser escusos. O outro tema, com o qual encerro este texto, diz respeito ao que penso sobre o nosso Senhor Jesus Cristo.
que pensas em relação de uma revisão pessoal dos conceitos de uma liderança segundo jesus?
Considero essa pergunta ótima, principalmente porque ela me permite dizer da opção que tenho feito em relação ao evangelho, à leitura das Escrituras, à visão que tenho das personagens bíblicas. A resposta que daria é depende. Não estou disposto, a priori, a qualquer mudança. Se a liderança proposta tem como base essa norte-americanização que circunda o meio gospel, esqueça a mudança. Não a quero. Não me imagino sendo conivente com liderança à la James Hunter (autor de O monge e o executivo e de Como se tornar um líder servidor), nem com quem escreveu Jesus, o maior líder que já existiu (Laurie Beth Jones), tampouco com Kenneth Hagin, muito menos com Augusto Cury. Também não pretendo adotar a visão de Rick Warren (Uma igreja com propósitos, Uma vida com propósitos, entre outros). Na minha opinião, gente que faz do cristianismo um mercado, e bem lucrativo. Esses sim, no meu entender, dão "leves pitadas de algo espiritual". Respeito-os, várias pessoas devem ter sido alcançadas através deles. Contudo, há outras formas de se olhar, ver, ouvir e se relacionar com Deus; ou Ele não é multiforme e mentimos quando fazemos essa afirmação.
A revisão pessoal dos meus conceitos dão-se cotidianamente, quando sou confrontado no meu local de trabalho, nos meus estudos e pesquisas, no relacionamento interpessoal, na relação diária com minha mulher (de quem não sou dono). Meus conceitos não fazem distinção entre o sagrado e o profano; eles caminharam para um lugar donde posso ver Deus no sagrado e no profano, na música sacra, na música gospel e na música secular. Não vejo Deus apenas nas coisas importadas, geralmente do norte; vejo-O também a partir do lugar onde Ele me permitiu nascer. E, de certa forma, posso e ouso unir-me ao que disse o instigante e bom grupo musical O Rappa: "minha fé é minha cultura", obviamente que com todas as acepções desta palavra. A revisão dos meus conceitos está acontecendo e possivelmente dar-se-á enquanto eu estiver vivo, ou seja, não tem data definida.
Por fim, estou perto dos trinta e três anos, a idade de Cristo. Espero, sinceramente, não ser "crucificado". Caso seja, gostaria pelo menos de poder fazer o que Ele fez com os mercadores, com os fariseus, bem como a Sua atitude diante dos oprimidos, dos fracos e doentes, das crianças e das viúvas. O Cristo que escolheu doze pessoas distintas é bem diferente do que aquele que se nos apresentam hoje. Essa pasteurização divina não me interessa nenhum pouco.
ILUSTRAÇÃO de Philip Reeve para ISAAC NEWTON E SUA MAÇÃ, de Kjartan Poskitt, Cia das Letras, 2001.
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