Levi Nauter
As coisas que a gente faz, conhece ou sabe são o produto de uma complexidade de influências na vida gente.
Paulo Freire, educador
Acabo de ler mais um livro sobre música cristã. Infelizmente, a maioria dos que li não me agradaram. Considerei-os muito clichês, ou seja, iam no lugar comum: tratavam de louvor e adoração usando invariavelmente Davi como centro. Nada contra Davi, claro; ele foi quem sistematizou a música e, de um certo ponto de vista, quem a profissionalizou. Ademais, admiro esse homem segundo o coração de Deus porque ele foi tão humano que pecou, tentou omitir o erro, sofreu na alma e confessou. Tocou um instrumento, matou bichos, matou um ser humano, arrependeu-se, em meio a isso escrevia poesia e fez parte da genealogia de Cristo. Logo, minha insatisfação é porque a maioria das obras não traziam novidades mais relevantes, mais palpáveis.
Trata-se de O rock na evangelização, de Flávio Lages Rodrigues[i]. O autor é teólogo e pós-graduando em Teologia Sistemática, além de líder de música na Igreja Batista da Lagoinha. Faço essa mini apresentação porque ainda se dá importância à institucionalização de um autor. Quanto mais famosa é a sua igreja-instituição maior a penetração midiática (com todas as boas conseqüências advindas daí). Ele é baterista - dado importante, se observarmos que poucos músicos lêem, poucos fariam um curso superior em teologia e não muitos teorizariam sobre o que fazem para o Reino de Deus - e tem envolvimento com a "cena alternativa e underground e na prática de esportes radicais como skate e patins".
Não é um livro profundo em termos de pesquisa bibliográfica. Está calcado em três obras (Cristo e Cultura[ii], Teologia e MPB[iii] e A morte da razão[iv]) que, a partir daí vão sendo contextualizadas e, paulatinamente, intentando levar o leitor para a compreensão da relevância de um ritmo pejorativamente mundanizado. O rock na evangelização é dividido em duas partes: parte 1 - revelação e cultura; parte 2 - novos movimentos culturais. A primeira parte é composta de onze razoáveis capítulos. A meu ver os mais interessantes pois fazem um apanhado histórico-cultural desde o Antigo Testamento, passando pela Idade Média e chegando nos contemporâneos teólogos defensores da teologia aliada à cultura. Penso que faltou um bom teórico, por exemplo, da sociologia. Também penso que esses capítulos deveriam ter sido mais aprofundados. Mas, enfim, é um bom pontapé inicial na temática. A segunda parte é mirrada, isto por que alguns dos sete capítulos são tremendamente curtos e, em conseqüência sem nenhuma análise mais crítica. Tais capítulos poderiam ter sido condensados em outros. Exemplifico citando o capítulo dezoito cujo tema, "uma maneira diferente de anunciar o evangelho", incita uma grande reflexão e, no entanto, mereceu do autor apenas vinte e nove linhas. Por outro lado, o autor utiliza quatro páginas para uma massante lista de bandas cristãs surgidas. Pior é, ao final das listas, como nota de rodapé, termos o site donde os nomes foram tirados. Apenas o site bastaria como pista para quem quisesse ler.
Considero importantes essas observações porque é uma obra de circulação em boa parte das livrarias evangélicas do país. Sendo editada por uma empresa com programa de marketing (com coordenação editorial, consultor editorial, produtor gráfico, com preparação e revisão de texto), não poderia ter deixado passar alguns erros gramaticais drásticos, bem como a falta da citação bibliográfica de ALTANER (nome da obra, editora etc). Isso, porém, está muitíssimo longe de desmerecer a obra.
O rock na evangelização tem muitos méritos. Um deles, a mim o mais importante, é a ousadia de tocar na ferida e declarar que o rock pode ser "um dos maiores atrativos na pré-evangelização dos jovens e adolescentes, mostrando as várias formas que Deus dá para Sua Igreja" (p. 108). Ouvi muito sermão dizendo que rock era coisa do diabo. Nos bastidores, os filhos desses mesmos preletores ouviam "o bom e velho Rock'n roll" (lembrei do IRA, um grupo que por vezes diz o que a Igreja deveria dizer). Em geral, uma das virtudes dos jovens, é acabar com o discurso ultrapassado dos pais; aos poucos, isso provoca, mesmo forçosamente, uma revisão nos conceitos e pré-conceitos de quem parece esquecer que um dia já foi jovem.
Outra virtude da obra é, ainda acanhadamente, falar de música brasileira, especialmente do samba, um ritmo demonizado pela elite igrejeira que prefere as traduções, às vezes bizarras, a aprender apreciar a maravilha de um ritmo que poetiza nossas virtudes e mazelas (vide ou ouça, por exemplo, Zeca Pagodinho ou o maravilhoso Grupo Semente com a linda voz de Teresa Cristina). Ainda devo ressaltar a relevante, mas também pincelada, abordagem na temática da cultura, na defesa de que os cristãos precisam inserir-se no seu tempo histórico em diversas áreas artísticas. Precisam estar cônscios do papel formador que tem a arte em geral.
Ao término da leitura fiquei pensando nos sonhos que ainda espero ver registrados. Pensei no dia em que efetivamente conseguiremos contextualizar os sons do mundo aos sons típicos do lugar em que Deus nos permitiu nascer. Aliás, Flávio Rodrigues bem lembrou que o grupo Sepultura fez isso (e bem) ao aliar o som metal com o som indígena. Infelizmente os grupos evangélicos que têm ousado brasilificar seus repertórios vivem à margem, passam ao largo da grande massa. Mas, atentemos ao que já nos alertou Jorge Mautner: "ou o país se brasilifica ou vira nasista".
Também pensei no dia em que veremos artistas cristãos nas bienais brasileiras, ou escritores nas grandes feiras de livros.
Para que tudo isso aconteça, vislumbro pregadores - se possível sem a preocupação com vocativos (reverendo, pastor, evangelistas etc) - refletindo, nos púlpitos ou em qualquer outro lugar com seus liderados, um chamado evangelho sensível.
NOTAS
ILUSTRAÇÃO: de Philip Reeve para ISAAC NEWTON E SUA MAÇÃ, de Kjartan Poskitt, Cia das Letras, 2001.
[ii]H. Richard Niebuhr, editora Paz e Terra.
[iii]Carlos Eduardo B. Calvani, editora Loyola.
[iv]Francis Schaeffer, editora Fiel.
2 comentários:
Meu irmão fico lisonjeado com sua apreciação pela obra. Aliás muito obrigado antes de tudo pela crítica que ao meu ver é muito edificante e mostra que além de ler está ajudando como mostra Paulo Freire a partir do cotidiano a construir um novo pensamento e novos rumos através do conhecimento.
Não pretendi esgotar esse pensamento sobre o rock e sobre o samba brasileiro é claro, mas tive que optar por uma linha de pensamento e pesquisa que ao meu ver seria melhor mostrar a marginalidade do rock sem esquecer de nossos irmãos negros brasileiros que sofreram a mesma discriminação tupiniquim com o samba.
Esse livro é fruto da prática que tenho com a banda em pregações e eventos realizados dentro e fora da igreja onde jovens tem sido resgatados em todo o Brasil e no mundo com outras bandas também.
Sobre a Lagoinha como instituição, não temos apoio de marketing com muitos imaginam. Nosso trabalho está longe dos holofotes, da mídia embora eu seja um autor da Mk. Essa forma de trabalho não me preocupa ou incomoda, pelo contrário desde a monografia até a publicação da mesma vejo Deus e o Espírito Santo abrindo portas onde não haviam tais portas, tanto é que tenho o segundo livro agora lançado também pela mesma editora.
Sobre os sites e várias páginas com bandas fiz isso propositalmente, assim como os versículos literais em citações no livro, pois isso é para ficar cravado nos corações de vários jovens para entenderem que podem louvar a Deus no contexto que estão inseridos e muitos pastores e líderes também tem visto isso e tenho sido chamado para dar palestra em todo o Brasil no temor de Deus entendendo que sou apenas uma ferramenta e que Deus é quem realiza a obra em toda a terra.
Veja no site da Mk e por favor faça a apreciação dessa segunda obra, mais uma vez gostei muito de suas observações, pois são o feed back que muitas vezes não há entre o autor da obra e seu público, ainda mais falando de rock cristão, que já sofre grande preconceito.
Tive já relatos de muitos jovens que aceitaram a Cristo após lerem o livro o que mostra que a proposta da monografia que virou livro foi alcançado, o rock como elemento cultural adorando a Deus e como uma das ferramentas na pós-modernidade na evangelização de toda a criatura.
Flávio Lages Rodrigues
Meu querido irmão gostei muito do comentário que fez em seu blog sobre o primeiro livro e espero que possa também contribuir no segundo livro, já que nele mostro que Deus é quem realiza a sua obra em todo o mundo através do Espírito Santo.
Veja no site da mk, www.mkeditora.com.br sobre o segundo livro recém lançado "A Liberdade do Espírito na vida e no rock" e faça seu comentário sobre a obra.
Espero de alguma forma contribuir para a Igreja Brasileira e refletir biblica e teologicamente sobre a cultura como tenho feito.
E que essa reflexão possa levar líderes e pastores em geral a ver que Deus não escolheu um grupo em detrimento de outro, dessa forma os roqueiros e todos que estão nas tribos urbans precisam ser redimidos do efeito da Queda da humanidade e que não foi somente o rock que sofreu esses efeitos nocivos do pecado, mas toda a criação geme com dores de parto como mostrado por Paulo em Romanos 8.
Faça uma apreciação da obra e faça sua crítica, pois para mim será um prazer ver sua opnião.
Um abraço na paz de Cristo
Flávio Lages Rodrigues
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