[torresmo evangélico] texto 7


Levi Nauter



A janela abrirá devagarinho:
fará nevoeiro e tu nada verás...
Hás de tocar, a medo, a campanhia
e, silenciosa, a porta se abrirá.
Mário Quintana



Nunca ouvi falar tanto em meio ambiente, em recursos naturais, em combustível alternativo como nesses dias. Há uma espécie de pavor no ar. Outro dia, pela televisão, assisti a uma palestra de Leonardo Boff[1] sobre as conseqüências de um iminente desastre ecológico. Foi muito, esclarecedor ao mesmo tempo em que foi pintado um quadro de quase desesperança.
Desde a divulgação das pesquisas sobre o clima na Terra, há um frisson, uma neurose pela vida, um desejo de se fazer tudo o que não se fez até agora. Os países mais ricos, especialmente os ditos cristãos, andam tratando de dizer que, embora tenham poluído de maneira significativa, estão preocupados e tomando atitudes. Bem podemos vê-las em forma de bombas e de grandes investimentos em materiais bélicos. Contudo, seus discursos continuam com o famoso happy end: God bless you!
[2].
Mais uma vez o cristianismo está, a meu ver, nas entrelinhas desse problema. Sinto muito! Considero-me um cristão, mas não posso furtar-me de uma reflexão sobre esse mundo que Deus criou, viu que era bom
[3], e que nós optamos por destruir em vez de sermos sal e luz. Talvez um outro mundo não seja possível. Talvez um mundo possível só mesmo no porvir, como sonham os apocalípticos. Ocorre que o porvir pode não vir. E, diga-se logo, eu acredito num outro mundo possível, porém, aliado a ele, um outro evangelho possível.
Menos mal que a democracia divina, também chamada livre arbítrio, fará com que TODOS sejamos deixados para trás
[4]. Espero que os escritores, teólogos e aqueles que se sentem afinados com a teologia norte-americanizada – esta que subdividiu o corpo, primeiro, em departamento e, segundo, em ministérios (cujo objetivo parece ser criar receitas[5] e não trabalhar com a diversidade, a pluralidade de idéias, dividindo as denominações em nichos de mercado) – saibam que também correm risco de vida.
Por que a igreja-instituição tem a ver com o aquecimento global, com a não preservação do meio ambiente? A história é um pouco longa, vou tentar ser breve para evitar a chatice.
Dos meus tempos de guri, quando agia como um guri
[6], lembro perfeitamente de um pastor do tipo apocalíptico. São aquelas pessoas que amam, que parecem ter um verdadeiro fascínio pelo desastre, pelo medo. São os precursores da teologia do medo. O maior prazer desses "homens de Deus" é deixar o povo, a platéia em pânico, apavoradas com a volta de Cristo. Tudo resume-se a volta de Cristo. O outro prazer está em deixar subentendido que eles estão fora do perigo, isto é, o perigo sempre está no ouvinte. Por isso ouvimos frases como "você tem certeza da salvação? Está preparado?". Cristo deve ficar triste com essa gente porque Ele propunha outra atitude. Ele sugeria a paz, a calma, a esperança – basta ler suas próprias palavras em João 1.1-3[7].
O pastor apocalíptico execrava o código de barras, dizia ser um sinal evidente do anticristo. Hoje, não imagino a vida sem esse precioso detalhe que dispensa a digitação de preços no comércio. Por via das dúvidas e lembrando aquele ancião, nunca deixarei que me tatuem nem me carimbem nada na testa - muito menos na minha mão direita
[8]. Ah, nem injeção na testa. Lembro, com um misto de tristeza e alívio, da minha desconfiança em relação ao aparelho sob o qual passavam-se os produtos. Pensava: "se minha mão passar por ali o que vai acontecer?", "não serei salvo?". Nunca tive respostas e hoje não preciso mais delas.


Quero dizer com o que escrevi até agora que a instituição evangélica, sobretudo a pentecostal e a neopentecostal, nunca teve a preocupação com este planeta, com esta Terra. É muito mais fácil ouvirmos preleções sobre condutas do tipo certo/errado, tentativas de homogeneização dos fiéis ao invés de respeito às diferenças. Não tenho nenhuma lembrança de sermão que exaltasse a criação divina. Isso significaria panteísmo para os líderes. Absurdo!
Também recordo-me muito bem das pregações anti new age, a famosa nova era. Nunca se disse claramente o que significava pertencer a essa coisa. Diziam simplesmente que era coisa do capeta. Sempre considerei isso horrível. É triste ouvir afirmações sem uma boa base teológica, além de uma ineficiência científica mesmo, somando-se à falta de um "debruçar-se" sobre uma pesquisa bibliográfica sólida. Era nesse ínterim que ouvia uma série de bobagens na tentativa de condenar a ONG Greenpeace. Deve ser porque ela protesta, traz à luz outros tipos de pecados, aqueles mais institucionais, macro estruturais, que pendem mais para ficar debaixo do tapete. Aliás, a igreja-instituição não é dada à crítica, principalmente advindas dos membros para a liderança - sendo o contrário pode. Quem protesta é normalmente visto como chato, como rebelde, como alguém que tem problemas hereditários ou é um perturbado pós-moderno (bipolar, hiperativo, entre outros nomes exóticos). Ultimamente andam encontrando "base bíblica" até para dizer que quem protesta é do demônio. Ainda bem, não existe fogueira. Há o ostracismo, é verdade, mas a internet pode ser um instrumento de contraponto de Deus. No meu caso tem sido.
Falta-nos uma ecoteologia. Uma teologia que entenda a criação de Deus como algo belo. Os cristãos evangélicos, em geral, não têm muito apreço para com a estética, para com a leitura do mundo e a leitura da palavra. Preferem receitas, incluindo o apressamento da volta de Cristo (há a famosa frase utilizada como escape: ora vem Senhor Jesus). Para isso, optam pelo pavor, por incutir o discurso de que nada há para se fazer nesse mundo. Então ouvimos histórias de gente que não constrói casa nem não arruma a que tem por entender que não ficará neste mundo por muito tempo. Santos ETs! É também nessa esteira que essas pessoas não ouvem músicas do mundo. As que ouvem vêm não sei de onde. Coitadas, não conhecem a riqueza da música secular brasileira, por exemplo.


Suspeito que esse problema seja mais profundo e nesse texto não cabe discutir com a profundidade necessária. Posso, contudo, dar uma pista ao entender que o problema esteja em não nos consideramos co-criadores desse mundo. É comum ouvirmos que o pecado vem desde Adão. Mas não é comum ouvirmos que também vem desde Adão o nosso poder de fazer criações e nomeações[9]. Também deixamos só pra Deus admirar a própria beleza da criação. Ou seja, a questão é considerar 'nós aqui, Deus lá'[10]. Um evangelho assim torna-se irrelevante, inútil. A criação e a encarnação divina tornam-se uma bobagem, uma perda de tempo. Será esse o intuito celestial?
O sal tempera, a luz faz aparecer. O cristão deveria ser o tempero do mundo, ao mesmo tempo em que deveria ser uma luz profética ao denunciar. Sempre lembrando que quem denuncia (ou acusa) tem o ônus da prova. Equivale dizer que tanto ser sal quanto luz não se dá de maneira irresponsável, largada, folgada, sem compromisso. É claro que não somos deste mundo, mas estamos neste mundo. Pois, enquanto aqui estamos devemos (ou deveríamos) torná-lo um lugar melhor para se viver, com menos injustiças, enfim, um pedaço do céu. As guerras em nome de Deus deixam longe o sal e a luz para ser fel e trevas. Poluem, em todos os sentidos, a Terra.
Com a esperança de que as coisas mudem, sonho com o dia em que nunca mais ouvirei um pastor dizer que, ao adquirir um terreno, cortou todas as árvores porque elas só faziam sujeira. Também sonho em ver mais cristãos fazendo parte de ONGs - ou algo parecido - protestando por leis ambientais e o cumprimento das mesmas, protestando por não haver coleta seletiva de lixo em bairros considerados menos nobres. Que cristãos e não-cristãos respeitem os recicladores e cobrem mais políticas públicas para o setor.
Caso nada aconteça, e se for possível, sejamos felizes. Se minha esperança se frustrar restará o consolo de me abraçar aos cristãos e morrer com eles queimadinho junto com o mundo todo. Assim, sem vírgula, sem reticências, sem nada.
O mundo vai explodir. Pelo menos a Igreja Católica lançou uma outra missão: proteger a Amazônia. Os evangélicos preferem ir à Africa, aos países latinos. Fazer missão na própria terra tá difícil. Acordem, seus crentes! O mundo, apocalipticamente, vai nos vomitar
[11].
Todos seremos torresmo evangélico. Ou será torresmo gospel?







PS: assisti ao documentário Uma verdade inconveniente, do presidenciável Al Gore. Há bons dados estatísticos – especialidade norte-americana – em relação ao derretimento das geleiras, incluindo medições; há uma interessante reflexão sobre a densidade demográfica na Terra. Sobretudo, o sr. Gore quer ser o salvador do mundo. Ele só não disse explicitamente “votem em mim”. Contudo, vale dar uma olhadela, mas não sem críticas. Fica a dica.


















NOTAS

O desenho, no contexto do que escrevi, tem a ver com o pensamento de que nada há para se fazer, estamos ferrados. É de um autor não especificado e ilustra a um bom livro:
As mil e uma noites: contos árabes, tradução de Ferreira Gullar, Rio de Janeiro, 4. ed., editora Revan, 2006.
[1] Leonardo Boff é o cristão que mais tem publicado estudos sobre proteção ambiental. Não tem sido compreendido no meio pentecostal, neopentecostal e até no seu meio – o católico. Saber cuidar é um bom exemplo disso. Procure lê-lo.
[2] Quem tiver acesso, ouça a bela música de Nei Lisboa chamada “Deu na TV”, do CD Cena Beatnik, que saiu pelo selo Antídoto/Acit.
[3] Gn 1.1-25; 49.15a.
[4] Alusão a série de livros Deixados para trás, de Tim LaHaye e Jerry B. Jenkins , publicados pela United Press. Esses livros são, erroneamente, tomados como se fossem verdade e não como deveriam, isto é, obra de ficção cuja história baseia-se no Apocalipse. Há quem olhe o filme e cai de joelhos, com medo. Que pena Cristo pede o contrário dessa atitude.
[5] Receita no amplo sentido da palavra, ou seja, dinheiro e regras comuns.

[6] Paráfrase do texto registrado na primeira carta de Paulo aos Coríntios 13.11.
[7] Sobre esse assunto, sugiro a leitura do bom livro Quando Cristo voltar: o começo da melhor parte, de Max Lucado, CPAD.
[8] Ap 13.16-18.
[9] Gn 1.26-31; 2.20.
[10] A característica básica desse tipo de pensamento se expressa no início das orações: “nosso Deus, nosso Pai que está no céu”.
[11] Paráfrase a Ap 3.16.

[dia da minha mulher] - Levi Nauter


Levi Nauter





Em plena comemoração pelo dia da mulher, resolvi escrever sobre a minha. Apesar do pronome possessivo, esclareço, de início, que não sou dono dela. Sou apenas esposo, marido, companheiro, amante ou coisa que o valha. Digo isso porque há quem se julga dono dos outros. Mais especificamente, há quem considera-se superior à mulher que tem. O detalhe é que isso não é dito de maneira clara. Poucos homens assumem seu machismo assim, declaradamente. Tudo fica nas entrelinhas, nos subentendidos. Em coisas como "eu trabalho, eu mando", ou "sou o chefe do lar". Mais disfarçado ainda é aquele que simplesmente não diz nada e deixa sua mulher fazendo todo o trabalho de casa, quando poderia ajudá-la, compartilhar com ela também os afazeres do, neste caso, pseudoninho do amor. Amor? Assim? Não. Isso não é amor. Que ao menos não haja vergonha de se chamar isso de sexo. Quem tem uma mulher e a ama faz sexo com amor; caso contrário , apenas sexo. A meu ver quem ama uma mulher não "faz amor", porque o amor não pode estar restrito a preliminares sexuais ou ao ato em si. Quem ama faz amor cotidianamente: ao beijar a esposa pela manhã, à noite, ao almoçar junto, ao ter prazer em estar perto dela, em querer ouvir sua voz, ao escutá-la. O amor, portanto, se vive. O "fazer amor" do senso comum é um saciar de uma necessidade humana por sexo. E amor vai além disso.


Pois, eu amo a minha mulher. Comemorar doze anos de casado, na semana da mulher, foi um privilégio ímpar. Salve LU!


Ela tem sido meu porto seguro. Sempre me surpreende com seu jeito, com suas atitudes, com seu carinho, seu falar. Com sua formação. Com ela, aprendo a viver mais, a sonhar, a correr na busca do sonho. É a minha leitora, também minha crítica. Juntos crescemos a cada dia - sem pressa para algumas coisas, com muita pressa para outras. Nossos olhares já se alfabetizaram e, com isso, nos falamos sem palavras. Seu colo é aconchegante. É maravilhoso.


Eu só consigo "voar" com meus pensamentos, ser meio fora da realidade porque tenho ela que me puxa ao chão. Com ela não me preocupo com o ativo e o passivo das nossas finanças. A Lu, estando por perto, me dá a segurança que preciso para fazer o que tem de ser feito e, talvez, arriscar um pouco mais. Um passeio não teria graça, nem charme, nem a garantia de um bom papo se ela não estivesse. Quando, por circunstâncias da vida e da nossa humanidade, não estamos bem, parece que o resto se acinzenta. Arma-se uma espécie de temporal que, graças a Deus, dificilmente acaba em graniso ou enchente. Um arco-íris aponta no horizonte.


Não tenho dúvidas: Deus está sendo generoso comigo! Deu-me um belo presente. Uma dádiva tê-la por perto. Um desafio agradável ter que cuidá-la. Sou um privilegiado por ter dois consoladores: o Espírito Santo e a esposa que amo. Estamos sonhando em fazer uma mistura divina, capaz de gerar uma mistura de nós dois - reflexos do divino: uma herança para a posteridade.




Lu eu te amo!!!

meu jardim

meu jardim
minhas flores

minha alegria

minha alegria
Maria Flor

Sobre este blog

Para pensar e refletir sobre o cotidiano de um cristianismo que transcende as quatro paredes de um templo.


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LEVI NAUTER DE MIRA, doutorando em educação (UNISINOS), mestre em educação (UNISINOS) e graduado em Letras-português e literatura (ULBRA). Tenho interesse em livros de filosofia, sociologia, pedagogia e, às vezes, teologia. Sou casado com a Lu Mira, professora de História, e pai da linda Maria Flor. Adoramos filmes e séries.

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