[confesso]

Levi Nauter



Parei de escrever um outro texto para compartilhar, com este, uma cena que me causou espanto. Um lindo espanto.
A quem não sabe, sou um trabalhador da educação. Acumulo as funções de professor de língua portuguesa com as de uma pessoa trabalhadora na administração escolar. Numa escola, literalmente, se vê de tudo. Há uma gama bem diversificada de crenças, bem como uma série de pessoas que tentam nos intimidar direta ou indiretamente:
– Vocês fazem festa Halloween? - questionou um pai.
– Vocês fazem a Semana da Consciência Negra? - outro responsável indagou.
Ambos informaram que seus filhos não participariam dos eventos acima e que, ao contrário, não mais apoiariam a escola em futuros eventos.
Não sou partidário desses radicalismos e fundamentalismos, em nehuma hipótese. Sou favorável ao cuidado, claro, desde que isso não signifique negar o direito à informação, ao conhecimento, à cultura. Não me parece que seja negando que existem alguns eventos que vamos evitar a "contaminação". Se assim fosse, todos os cristãos - nos e com os quais me incluo - deveriam, impreterivelmente hoje, morrer a viverem neste mundo. Particularmente, prefiro ficar vivinho; há muito de beleza a ser descoberto por aqui. Além do mais, parece-me que ser cristão é, entre outras coisas, tornar o mundo mais bonito, menos feio.
Cristo utilizava muito a criança como um bom exemplo a ser seguido. Aqueles que intentam ascender aos céus precisam prestar mais atenção nos pequeninos. Um deles me causou espanto. Não pela sua catequisação, mas, sim, por duas razões: (1) porque na escola ele vive em profundidade o ser criança (estuda, brinca, corre, briga, cai, levanta e faz tudo de novo num círculo não vicioso) e (2) porque fica evidente o diálogo com os familiares fora da instituição. Ou seja, a vivência cristã dessa criança não se encontra nas proibições, no esconder a realidade. Ao contrário, parece estar no encarar a realidade, no viver diário de cada fase da vida.
Ao enchergar a criança questionei:
– Como andam as leituras da igreja?
Ele entendeu que eu perguntava se estava lendo algum livro ou revista cristã na sua igreja. No entanto, o menino me deu outra resposta.
– Domingo não consegui chegar a tempo na igreja porque minha vó me levou numa festa de aniversário.
– Estava boa a festa? Melhor que ir na igreja? - questionei.
– Sim, estava ótima. Mas nada melhor que servir a Deus.

Não soube o que falar. Fiquei mudo, espantado.
Claro que muito do que estava por detrás da resposta era reflexo do discurso paterno e materno. Mesmo assim, essa convicção, devo confessar, suscitou algumas perguntas: até onde vai minha crença evangélica? Por quais motivos ela pode ser abalada? Por que uma festa não pode ser um culto? E porque pode ser errado optar-se por uma festa a ir a uma reunião igrejeira?
Quando, de repente, lembrei de um livro lido bastante tempo a coisa piorou. Lembrei da autora, Melinda Fish, e o título tornou-se outra pergunta intrigante: "fardo, se ele é leve por que estou tão cansado?".
Não tenho respostas...

[a igreja e a repressão - sugestão de leitura]

Levi Nauter



Minha opinião é que a igreja cerceia a liberdade dos fiéis, essencialmente falando da instituição. Não os deixa pensar por conta própria. Há uma ilusão de liberdade, a membresia acha que pode ser livre para agir, para pensar. Contudo, não é bem assim. A máxima paulina "onde há o Espírito de Deus ali há liberdade" não funciona assim de modo tão romântico.
Mas uma coisa é a minha percepção dessa temática. Fui um simples membro de igreja que mal contribuiu como músico (violonista, baterista e vocalista) e que, ao final, optou por sair - contrariando outros diáconos como eu. Fui assembleiano a maior parte da minha vida, além de ter passado aproximadamente dois anos como batista (CBN). Apesar de tudo, não me considero indigno de opinar quanto àquilo que me incomoda ou me incomodou. Nesse particular, as pessoas (não gosto do termo irmão) nunca me causaram desconforto; ao contrário, tenho uma boa relação com vários pastores, de diversas denominações. Não obstante, com alguns, discordo frontalmente. Essa é a beleza, para os que a compreendem, da democracia: discordância em alguns pontos, unidade em outros; objetivos comuns.
Outra coisa é a percepção de alguém cuja importância ultrapassa o bairrismo do evangelho. Há uma diferença entre eu (guri, formado em Letras, buscando mestrado em educação e teologia) e uma pessoa que já foi pastor, que viveu no exílio evangélico e, mesmo assim, soube dizer sob outro viés. Esse é o caso de Rubem Alves. Com ele é possível discordar em várias nuances, mas não me parece possível negar a importância de sua contribuião para o Reino. Porque errar todos erram e se vamos excluir os que erram temos de fazer o mesmo com a Bíblia - afinal, quem, afora Cristo, não cometeu erros gritantes? Portanto, a contribuição de Alves é inegável, ao menos para a minha história.
Acabo de reler "Religião e Repressão"[1]. Essa obra merece ser lida e relida por quem se diz evangélico. Nela, Rubem Alves traça os caminhos gritantes e, às vezes, silenciosos da repressão igrejeira. A partir dos levantamentos ali expostos, vemos - de um lado - nossas feridas, nossas mazelas, nossa mesquinhez, nossa diabolicidade. Por outro lado, vemos a atualidade da obra. Infelizmente ainda não mudamos muita coisa. E naquilo que mudamos fica claro o quanto 'jogamos pessoas fora'. Como perdemos pessoas em função de conceitos pessoais e não bíblicos! É possível ler (pseudo)líderes que com suas arrogâncias mandavam e desmandavam sobre a vida de pessoas acuadas pela Teologia do Medo - a desgraçada teologia que prega a submissão cega e inquestionável de líderes religiosos inescrupulosos. Gente que adora ver pessoas sofrendo, quietas, sem o direito de dizer a sua palavra, sem a possibilidade de questionar. Gente que alardeia aos quatro cantos a falácia do princípio da autoridade, a mentira da cobertura espiritual, da maldição hereditária, bem como da teologia da prosperidade (que só prospera pastores). É nessa esteira que vem a alienação. É nesse bojo que está o cerceamento da liberdade do outro, travestido de doutrina, travestido de bons costumes, com aparência de evangelho, com linguagem bíblica.
Essa teologia do medo é denunciada por Alves. Belamente exemplificada, faz falta uma outra obra similar escrita em nossos dias. Ali não lemos, por exemplo, sobre as receitas evangélicas para as soluções de problemas, sejam eles quais forem, tão comuns em nossos dias. Basta chegar em qualquer banca de revista, em qualquer livraria não cristã e até mesmo nas cristãs para lermos títulos que intentam dar passos para se chegar a qualquer coisa. Também não lemos (mais profundamente) a respeito dessa arrogância pastoral que disciplina e exclui segundo cosmovisões pessoais e preconceituosas. Muito menos lemos sobre as manipulações, a partir do discurso, de televangelistas e comunicadores (mais para animadores) de rádios evangélicas.
O que encontramos na obra? Uma sólida reflexão crítica sobre a repressão da qual sofremos as conseqüências até hoje. Encontramos relatos de fiéis e de lideranças como que dando-nos as bases do que hoje temos nesse evangelho em sua maioria norte-americanizado. Vale a leitura pois é nossa história. Vale a leitura porque não deveríamos continuar fazendo a mesma coisa. É importante a leitura a fim de refazermos nossas práticas cristãs.
Nossa brasilidade evangélica merece outros contornos e, quiçá, essa obra possa ser incentivadora.











PS: enquanto isso, sigo numa leitura mais atual e não menos contundente: "A mensagem secreta de Jesus", de Brian D. McLaren, obra que não encontrei nas livrarias evangélicas. Bem-aventurada seja a Saraiva Mega Store, do Praia de Belas Shopping.


[1]Edições Loyola em parceria com a Editora Teológica. Uma reedição (em 2004) trinta anos após a primeira publicação.

[outra vez: livro x evangelho] – levi nauter

Levi Nauter



Outra Feira do Livro, outra decepção com o meio evangélico. Falo das denominações pentecostais e neopentecostais, além de estar me referindo especificamente ao estado gaúcho. Aqui, gabamo-nos, lê-se mais. Se as pesquisas são verdadeiras, não revelam a realidade no chamado mundo gospel. Nada mudou nesse meio desde meu último texto, há doze meses. O que parece evidenciar uma certa inutilidade da igreja-instituição.
Neste ano, assombra-me os meios de comunicação evangélicos. Sim, porque os católicos estão lá, com sessão de autógrafos de padres, com algumas entrevistas. Porém, as emissores que dizem ‘ganhar’ almas nem tocam no assunto, nenhuma referência a importância do ato de ler
[1]. A mídia não cristã, criticada por televangelistas que dela se utilizam, está lá com seus estandes. Os nossos deviam estar preocupados em pregar. Pregar peças nos fiéis.
No segundo dia de Feira, dirigi-me a uma conceituada livraria evangélica e perguntei: - vocês têm alguma obra do Brian D. McLaren? Os olhares pareciam me dizer “isso faz mal com leite?”. Falta de informação, porque de uma das editoras que o publica
[2] no Brasil havia pilhas de ‘livros de receita’: Derrubando Golias (do Max Lucado); Você faz a diferença (John Maxwell); A dieta de Jesus (Dr. Don Colbert), entre outros. Pode ser falta de leitura também (e bem provável), ou, ainda, estratégia pura de venda – uma vez que se viam aquelas obras (se podem assim serem chamadas) que ocupam espaço nas revistas e jornais evangélicos de circulação nacional. Ou seja, mais receita (o possivelmente inútil Eu e minha boca grande, de Joyce Meyer, pra ficar com um exemplo). Pouco ou quase nada vi dos ‘rebeldes’: Rubem Alves, Bultman, Tillich, Barth...
Ah, vi também aqueles aproveitadores, os que esperam um livro ‘mundano’ fazer sucesso para terem seus minutos de fama. Como exemplo, lembro-me dos que aproveitaram a carona do sucesso de Dan Brown com seu “O Código Da Vinci”. Agora é a vez de criticar “Deus, um delírio”.
Satisfaria-me uma denominação que investisse numa programação paralela incentivando a literatura. Se isso existe, acho que deveria ser divulgado ao máximo possível, essencialmente o retorno que isso dá aos participantes. O evangelho se tornaria mais relevante e, acredito, mais interessante. Imagino como seria legal poder ligar o rádio e ouvir um cristão-evangélico dando entrevistas, relacionando o cotidiano com o evangelho, aliando intelectualidade e evangelho, filosofia e evangelho, educação e evangelho, criatividade e evangelho. Mas não, o que vemos são incutições de doutrinas (doutrininhas).
Sinto em ter de concordar com Rubem Alves, a igreja não cria artistas só teólogos, só hermeneutas. A igreja-instituição não está interessada em programação cultural. Sobretudo, ela não se preocupa com o prazer, a leitura por prazer, a arte pelo prazer; quer, isso sim, finalidades. Na instituição tudo tem que ter um fim. Não é o que vemos na vida de Cristo. Nem tudo que Jesus fez tinha um fim em si mesmo, basta ler com mais atenção. À igreja-instituição interessa a guetização, o cerceamento da liberdade dos fiéis, sob a égide da submissão, sob a falácia do princípio da autoridade. Sob a ditadura.
Definitivamente não é essa a leitura que me interessa.
Foi a mesma razão que me levou a discordar frontalmente de um editor de uma respeitada editora cristã. Ele me dizia que os cristãos liam e liam muito. Citou-me alguns exemplos com os quais não pude concordar. Não me parece que ler Rick Warren, por exemplo, acrescente relevância ao cristianismo. Também não acho que as denominações que optaram pelos 40 dias com propósito estejam melhor do que as que não fizeram a mesma opção. Pouco me importa se o Sr. Warren vendeu um milhão de exemplares no Brasil. Isso diz apenas que a editora ganhou bastante dinheiro.
Vivam as raras exceções. Gente como Gerson Borges que, além de ter lido a obra “A volta do filho pródigo” e ter criado, produzido e gravado um musical homônimo (lindíssimo CD), promove o Sarau da Comuna, na sua igreja em São Paulo (pesquise o blog, vale a pena). São discussões que giram em torno da música brasileira, da literatura – tudo sob a ótica cristã. Também a editora W4 que, além de promover debates sobre cultura, publica obras, por assim dizermos, mais alternativos e não menos cristãos.
Enquanto o mundo gira, tenho bons motivos para ficar curtindo minhas novas aquisições da Feira: “A mulher que escreveu a Bíblia”, do conterrâneo e imortal (como o tricolor) Scliar e “O evangelho segundo Jesus Cristo”, do conterrâneo de língua José Saramago.
Espero logo encontrar pelos pagos “A mensagem secreta de Jesus” e “Uma ortodoxia Generosa” do intrigante McLaren que escreve sobre cristianismo contemporâneo. Também espero falar de melhorias no mundo evangélico no próximo ano.
NOTAS
[1] Fica minha singela homenagem ao grande educador Paulo Freire que nos deixou, dentre tantas obras, um importantíssimo livreto chamado “A importância do ato de ler”, editado pela Cortez.
[2] Thomas Nelson Brasil – www.thomasnelson.com.br

[a igreja que eu busco: primeira contribuição] - levi nauter

L evi Nauter



Desde que criei este blog venho tentando contribuir sistematicamente com alguns textos meus e de autores com os quais me identifico ideologicamente. Afinal, nenhum texto é inedito; ainda que indiretamente, dialogo quem leio, li e lerei. Essa é a razão de preferir a palavra tentar a dizer cabalmente que contribuo. Em outras palavras, sempre que escrevo vislumbro e intento a possibilidade de ser útil, de ser compreendido e, devo admitir, de ser aceito. Como essas intenções não dependem exclusivamente de mim, ocorre, por vezes, exatamente o contrário. Recebo comentários (por e-mail ou pelo próprio blog) de todos os tipos. Felizmente, a grande maioria é favorável a minha cosmovisão.
Estou cônscio de que abordo as mazelas da igreja-instituição. Por quê? Por entender que ela deveria morrer. É necessário matá-la porque ela não beneficia os fiéis senão os medalhões, os que recebem "pela$ bênção$". São os neopentecostais, os televangelistas, os radiocomunicadores - os mesmos que, sem nenhuma vergonha - alardeiam viver pela fé. Torna-se fácil viver pela fé quando a conta bancária está 'gorda'. Dá-se receitas para o povo que, ironicamente, só funcionam para os receitantes e lotem-se os templos. Templos lotados equivale a boas receitas. Essa tem sido a minha denúncia e, neste sentido, não vou calar.
No entanto, não sou compreendido por alguns. Denunciar não significa necessariamente a denúncia pela denúncia. Quando o faço, nas entrelinhas está o anúncio. Porém, poucos conseguem fazer essa leitura. Fazem-na superficialmente, sem o devido contexto, sem algumas informações prévias importantes ou, o que é muito comum, com o julgamento já feito antes de conhecer o texto. Se digo, por exemplo, que amo o doce indiretamente digo que o sal pode me incomodar. Parece elementar.
Já cansado de ler algumas bobagens a mim enviadas, pretendo começar a anunciar em vez de denunciar.

IGREJA COMO ESTATÍSTICA
O primeiro pressuposto para eu freqüentar uma igreja-corpo é o esquecimento da instituição. Busco (sem muito empenho) um lugar que não se preocupe com número de membros. Não busco uma mega-igreja. Tampouco pretendo me tornar número, dado estatístico. Não quero um templo no qual eu precise fazer 'carteirinha' de participante. Se uma determinada comunidade carece dessa organização, parece-me que é o primeiro passo rumo a institucionalização, ou seja, precisará de sustento, significando dinheiro.
Nessa mesma esteira, está a tensão ao dízimo. O dízimo é tão bíblico assim como outras temáticas nelas registradas e ignoradas. Ocorre que se trata de dinheiro. Por isso a instituição não abre mão: como viveriam os que dizem viver da fé? De minha parte, penso que todos deveriam questionar essa fonte de receita. Ou, no mínimo compreenderem a diferença entre trazer (sabe-se para onde vai) e dar (sabe-se apenas que será usado)dízimo. Freqüentei uma denominação que 'ungia' os dizimistas e incutia que os outros estavam 'sob maldição'. Paradoxalmente quem dizia isso estava desempregado. Ironicamente, a bênção sempre era de responsabilidade do céu e não daquele que recebia meus dez por cento. Também não toparia participar de uma igreja-corpo em cujo mural figurasse o nome dos dizimistas (disfarçados de 'colaboradores fiéis', patrocinadores, gideões, entre outras criatividades evangélicas). Barganhazinha com o Todo-poderoso? Nem pensar. O dízimo precisa de contexto.
Não quero encontrar um templo no qual a membresia se acha acima da lei - intocável, impunes, donos da verdade. Muito menos aceitaria alguém me cuidando, querendo saber o que como, bebo, visto, faço, peco. Sou, sim, dono do meu nariz, maior de idade e responsável pelos atos. Menos ainda aceitarei o fajuto discurso do princípio da autoridade (pretexto para quem quer mandar, retórica do manda-quem-pode). Aceito a democracia, o diálogo, o contraponto. Jamais de cima para baixo, mas, sim, de forma horizontal. Sou contra a espécie de livro-ponto no templo. A assiduidade não pode ser pautada pelo medo de se levar falta. Digo isso porque conheço uma denominação que possui um software de controle da assiduidade. Absurdo.
Minha última abordagem são os eventos nos quais chove matemática, estatística. Há um certo gessamento no Espírito Santo. Deus só pode atuar por especificidades: culto de doutrina, culto de ensino, culto de cura, culto de libertação, culto de louvor, culto de despertamente espiritual, e por aí se vai. Ora, jamais servirei a um Deus assim. O meu Deus é diferente. Nesses pseudocultos é que se ouvem frase boçais igrejeiras. A referência a elas quase sempre é: lá se converteram 100, 200 pessoas; batizamos 10, 20...
Estou, perdoem o vocabulário, "de saco cheio" de lugares em que não se pode discordar, sugerir mudanças. Quando alguém ousa, precisa ouvir:
– Mas quem é você? Pastoreias qual igreja? Você é autoridade espiritual sobre quanto membros? Quem te dá cobertura espiritual?
Ainda bem, Deus é misericordioso.

[prestígio] - levi nauter

levi nauter




Prestígio me faz lembrar do doce. Sou fissurado por doces, mas tenho de me cuidar porque o excesso faz mal. É um exercício difícil. Há momentos em que ele está ali como que se oferecendo e eu tenho de virar o rosto. Nalgumas vezes consigo, noutras não. Quando não consigo resistir fico um pouco triste, me culpo. Sigo em frente.
Essa mesma palavra – prestígio – merece cuidado em outros contextos. Por mais que não deixemos claro, no fundo, queremos ter prestígio. Nossa humanidade clama por importante, ser necessária, estar acima de quase tudo. E aqui o exercício também é difícil para contê-la. Igualmente ele se oferece e temos de virar o rosto. O interessante, ou instigante, é que, embora viremos o rosto, nosso pensamento segue imaginando o oferecimento que tentamos ignorar. Ou seja, viramos o rosto, mas não o pensamento. Talvez os escritores de “receita” consigam nos ajudar. Como não acredito neles, tampouco topo ler suas (pseudo)obras, rendo-me e mostro minha humanidade.
Tem sido um privilégio escrever alguns textos e postá-los aqui. Neste blog paulatinamente torno pública a minha cosmovisão. Por ele também sou liberto, porque a escrita me liberta. Escrever, por mais que alguns leitores não gostem do meu texto, é uma terapia que, unindo-me ao célebre Pamuk
[1], me salva da loucura. Escrevendo livro-me de uma certa solidão e posso, remotamente, contribuir com o alívio de algum leitor. Portanto, escrevo, primeiro, por minha própria causa; e, segundo, pela possibilidade de ser útil.
Pois, tenho recebido algumas mensagens via e-mail cujos autores são de alguma forma tocados. Gente de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e até Portugal. Muitas optam por não postar comentários e dialogar 'mais de perto' pelo e-mail. É uma satisfação, já que não sou teólogo e não me considero um cristão adepto ao evangeliquez
[2]; também, que fique registrado, não fico como um demente procurando ou enxergando demônio em tudo. Prefiro a simplicidade do cristianismo. Simplicidade que não deve ser confundida com falta de bom gosto, de estética e profundidade no conteúdo.

Nessa semana tive grata surpresa ao receber uma mensagem de um autor mineiro que lançou um livro pela editora MK. Fiz uma resenha (Resenha 2) a respeito de seu livro que trata do rock e o evangelho/evangelismo. O escritor Flavio Lages gostou da resenha e sugeriu-me a leitura de sua segunda obra - lançada recentemente pela mesma editora . Certamente farei isso tão logo possa. Ratifico a leitura de suas obras, com elas certamente aprenderemos a lição que todo o cristão já deveria saber: respeitar as diferenças.
Por fim, meu caloroso abraço a todos os leitores. Especialmente a um casal paulista, presbiteriano, que incrivelmente conseguiram reter o que é bom neste blog.
Deus é bom!!!


[1] Orhan Pamuk é turco, tem 54 anos e recebeu o Prêmio Nobel de Literatura de 2006. No Brasil, por ora, está publicado Neve, Istambul e Meu nome é vermelho.
[2] Antes que algum gramatiqueiro de plantão venha me corrigir, esclareço que utilizei "Z" por entender a palavra como um substantivo abstrato derivado de adjetivo.

E se o sal não salgar? - ricardo gondim

Mais uma do excelente Ricardo Gondim que admiro e concordo. Levi nauter



Infelizmente o mundo gospel, (neopentecostal ou evangélico) vem se tornando conhecido pelo seu nanismo cultural, superficialismo ético, pragmatismo burguês e cinismo teológico. Embora continue embriagado com seus discursos triunfalistas, dá um tiro no próprio pé quando insiste em ter primazia sobre a Verdade e ser, ao mesmo tempo, motivo de chacota nacional.
Infelizmente, convive com uma religiosidade sem compromisso com o passado, sem tradição, sem hereditariedade (sempre existem maldições em algum ancestral) e sem futuro. Os evangélicos não se enfastiam das novidades efêmeras, provisórias, e não se assustam com sua descontinuidade histórica. São massacrados pelo presente, pois não possuem projeto futuro. Ora, quem vive precisa de alvos, porém, quando se perdem os horizontes utópicos, acaba-se a vitalidade. Tudo fica aborrecido, sem criatividade. Não existe nada mais repetitivo do que o “evangeliquês” dos novos apóstolos. Os neopentecostais desenvolveram uma espiritualidade “templista”, sem vínculos comunitários. Sacralizam-se os prédios, valorizam-se os mega ajuntamentos, mas não se promovem relacionamentos. As pessoas se sentem sozinhas e autônomas no meio de uma multidão. Vão à igreja como quem vai a qualquer lugar público, sem sentimento de pertencimento. Para azeitar financeiramente sua máquina religiosa, o neopentecostalismo convive bem com misticismos e sabe dar explicações mágicas para a cruel realidade que o rodeia. Sua fé não precisa de racionalidade nem dialoga com as ciências sociais.
O movimento evangélico tornou-se refém do marketing e anseia dominar o mundo midiático. O autêntico testemunho evangélico se perdeu pela importância que o cenário televisivo ganhou como veículo de propagação da mensagem. Hoje o anúncio da fé fica em segundo plano, diante da força da imagem - que transforma tudo em simulacro. Resultado: os neopentecostais se firmaram como um supermercado de serviços (e produtos) religiosos, e o fiel, percebido como um consumidor (anualmente acontece a Feira do Consumidor Cristão, jocosamente apelidade de "Expo-Babilônia").
Com um discurso competente e bem afinado com os desejos das massas, o neopentecostalismo tornou-se quase hegemônico, conseguindo esvaziar igrejas históricas e pressionar os antigos pentecostais a também adotarem seus métodos, que funcionam e enchem auditórios.
Vaidosos de sua fidelidade apostólica e gabolas de sua eleição como a “chuva serôdia”, os evangélicos já revelam seu triste fim: ser sal que não serve para salgar. Lamentavelmente!
Soli Deo Gloria.

mudança - levi nauter

Olá

A todos os amigos – distantes ou mais chegados – comunicamos que estamos nos mudando para o município de Nova Santa Rita (BR 386 em direção a Triunfo). Lá estamos construindo nossa nova casa e vamos cuidar de perto todas as etapas da construção que se iniciou entre o final de julho e início de agosto.

Após doze anos morando num mesmo lugar, novos ares nos esperam. Santa Rita tem um ar interiorano que sempre nos encantou. Enfrentaremos desafios enormes e estamos com todo o gás pra isso.

Em tempo oportuno contaremos mais detalhes. Algumas inevitáveis reflexões sobre toda essa mudança serão postadas nos blogs que mantenho:

1- LEVI NA INTERNET – www.levinainternet.blogspot.com

2- ANOTAÇÕES SOBRE UM CRISTIANISMO – www.anotacoessobreumcristianismo.blogspot.com

A partir de agora, minhas intervenções internéticas ficarão restritas a uma vez por semana. Continuem opinando e enviando seus mails, reponde-los-ei na medida do possível. Nosso telefone residencial momentaneamente não existirá.

Grande abraço a todos,

Levi Nauter & Luciane de Mira.

[paulo freire X ricardo gondim] - levi nauter

Levi Nauter
O pastor Gondim, como tantas outras pessoas, conseguem ver consistência e profundidade na obra de Paulo Freire, na minha opinião, o maior educador brasileiro. Isso fica claro no texto a seguir - publicado em seu sítio (www.ricardogondim.com.br). Leiamos:
Pérolas (semi) roubadas.
Eu pouco conhecia Paulo Freire. Volto atrás. Lógico que eu conhecia sua reputação como um dos mais respeitados pedagogos brasileiros, que revolucionou a educação. Confesso, entretanto, que não lera suas teorias.
Aconteceu da Gladys, membro da Betesda e esposa do Ricardo Faria, meu xará, ser amiga de uma das filhas do Paulo Freire; e uma especialista em seus métodos educacionais.
Desde sempre a Gladys propôs que adotássemos o método Freire na educação religiosa da nossa igreja. Aí, comecei a ler “Pedagogia do Oprimido” e me deslumbrei. Depois de iniciado em Paulo Freire, chego a radicalizar: Ele precisa ser leitura obrigatória em todos os seminários e cursos para professores de catecismo.
Em “Educação e mudança” (Editora Paz e Terra, p 40) Paulo Freire lista 9 características da “Consciência Ingênua”.
Como acredito que um dos males da atual cultura religiosa nacional vem exatamente de sua ingenuidade, achei que deveria “roubar” essas pérolas e publicá-las:
1. Revela uma certa simplicidade, tendente a um simplismo, na interpretação dos problemas, isto é, encara um desafio de maneira simplista ou com simplicidade. Não se aprofunda na casualidade do próprio fato. Suas conclusões são apressadas, superficiais.
2. Há também uma tendência a considerar que o passado foi melhor. Por exemplo: os pais que se queixam da conduta de seus filhos, comparando-a ao que faziam quando jovens.
3. Tende a aceitar formas gregárias ou massificadoras de comportamento. Esta tendência pode levar a uma consciência fanática.
4. Subestima o homem simples.
5. É impermeável à investigação. Satisfaz-se com as experiências. Toda concepção científica para ela é um jogo de palavras. Suas explicações são mágicas.
6. É frágil na discussão dos problemas. O ingênuo parte do princípio de que sabe tudo. Pretende ganhar a discussão com argumentações frágeis. É polêmico, não pretende esclarecer. Sua discussão é feita mais de emocionalidades que de criticidades: não procura a verdade, trata de impô-la e procurar meios históricos de convencer com suas idéias. É curioso ver como os ouvintes se deixam levar pela manha, pelos gestos e pelo palavreado. Trata de brigar mais, para ganhar mais.
7. Tem forte conteúdo passional. Pode cair no fanatismo ou sectarismo.
8. Apresenta fortes compreensões mágicas.
9. Diz que a realidade é estática não mutável.
Paulo Freire, também dá as características da “Consciência Crítica”. (Ah, meu Deus, como precisamos delas, no pequenino quintal religioso nacional).
1. Anseio de profundidade na análise de problemas. Não se satisfaz com as aparências. Pode-se reconhecer desprovida de meio para a análise do problema.
2. Reconhece que a realidade é mutável.
3. Substitui situações ou explicações mágicas por princípios autênticos de casualidade.
4. Procura verificar ou testar as descobertas. Está sempre disposta às revisões.
5. Ao se deparar com um fato, faz o possível para livrar-se de preconceitos. Não somente na captação, mas também na análise e na resposta.
6. Repele posições quietistas. É intensamente inquieta. Torna-se mais crítica quanto mais reconhece em sua quietude a inquietude, e vice-versa. Sabe que é na medida que é não pelo que parece. O essencial para parecer algo é ser algo; é a base da autenticidade.
7. Repele toda transferência de responsabilidade e de autoridade e aceita a delegação das mesmas.
8. É indagadora, investiga, força, choca.
9. Ama o diálogo, nutre-se dele.
10. Face ao novo, não repele o velho por ser velho, nem aceita o novo por ser novo, mas aceita-os na medida em que são válidos.
Considero Paulo Freire um homem à frente do seu tempo, com uma contribuição que extrapola o universo escolar. Seus princípios seriam muito bem vindos nos bancos e púlpitos das igrejas. (Posso ouvir um amém?)
Soli Deo Gloria.
Também acho que todo o que se autodenomina educador cristão deve ler Paulo Freire. Paulo Freire e cristianismo tem tudo a ver.

[é melhor ficar quieto] - frases boçais igrejeiras

Levi Nauter
Solidarizo-me com o pastor Ricardo Gondim. Transcrevo as frases boçais que ouvimos facilmente nos templos evangélicos ou nos programas de rádio. Os irmãos, infelizmente são muito bons em criar inutilidades que, paradoxalmente, às vezes, ajudam o autor que consegue tirar um troco. É por essas e outras que imagino que a tal igreja-instituição precisa ser repensada.
Frases (evangélicas?) que não agüento mais. Ricardo Gondim.

1. Amém? Está fraco. AMÉM? Amém ou não amém?
2. Quem quer receber uma bênção de Deus hoje, levante a mão.
3. Existe a lei da semeadura, e o número da conta é...
4. Isso é roubo, meu irmão; você nasceu pra ser cabeça, não cauda!
5. Esse acidente aconteceu porque você deve ter dado brecha.
6. O Diabo quer lhe destruir.
7. Estou vendo uma obra de bruxaria em sua vida.
8. Vamos quebrar as setas inimigas.
9. Nada vai impedir que você seja um conquistador.
10.Não há nada de errado com o dinheiro; o único problema é o amor ao dinheiro.
11. Nossa denominação ainda vai conquistar o mundo.
12. A partir de hoje São Paulo nunca mais será igual.
13. Nós somos um povo que não conhece derrota.
14. Venha para Jesus e pare de sofrer.
15. Você é filho do Rei e não merece estar nessa situação.
16. Temos a visão de conquistar a Europa para Cristo.
17. Essa doença não existe, ela é apenas uma ameaça do Diabo.
18. Deus está nos dirigindo para abrirmos uma igreja em Boca Raton.
19. Vamos amarrar os demônios territoriais que estão sobre o Brasil.
20. Todos os que fizerem a campanha das sete semanas alcançarão seus sonhos.
21. Compre esta Bíblia fantástica com os comentários de...
22. Estamos num mover apostólico e o avivamento brasileiro é semelhante ao do livro de Atos.
23. Teremos uma explosão de milagres na maior concentração religiosa da história.
24. Vamos ficar em pé para receber o Grande Homem de Deus, fulano de tal, com uma salva de palmas. 25. Quando vejo essa multidão de quinze mil pessoas, só tenho vontade de dizer que amo cada um de vocês.
26. O Reino de Deus precisa de um candidato na Câmara; vamos eleger nosso irmão que vai fazer a diferença.
27. Deus abrirá uma porta de emprego para você, meu irmão.
28. Semana que vem teremos mais uma sessão de cura interior.
29. Enquanto não pedirmos perdão ao Paraguai pela guerra, nunca seremos uma nação próspera.
30. Os Estados Unidos são uma bênção porque o presidente deles é crente.
31. Tudo é miçanga, só Deus é jóia.
32. Não sou dono do mundo, mas sou filho do dono.
33. Este carro ficará desgovernado em caso de arrebatamento.
34. Crianças, cantemos: “Cuidado olhinho no que vê, cuidado mãozinha no que pega... nosso Pai está olhando pra você”!
35. Olhe para o seu irmão do lado e diga: Eu amo você!
36. O Espírito Santo está me revelendo que existem ladrões nesta igreja que não entregaram seus dízimos.
37. Ah, seu problema é maldição hereditária.
38. Quando você não entrega o dízimo na casa de Deus, Ele não tem compromisso financeiro com você.
39. Quero que vocês dêem uma oferta especial para manutenção do nosso programa de rádio e TV, pois foi Deus quem mandou pregar na mídia.
40. Ora em línguas aí, irmão.
41. Restitui, eu quero de volta o que é meu.
42. A visão da nossa igreja é evangelizar. Obra social é com o governo.
43. Abram suas Bíblias no livro "X". Quem encontrou diga amém, quem não encontrou diga misericórdia.
44. Eu gostaria de cumprimentar a igreja com a paz do Senhor (se gostaria, então cumprimente, ou vai ficar na vontade?).
45. Abra o seu coração (como?).
46. Deus está aqui (que algo mais óbvio que isso).
47 - Deus está curando voê, minha irmã, deste nódulo no seio que você nem sabia que tinha (depois dessa, dizer mais o que).
48. Deus está operando poderosamente (alguém já viu Deus operar "meia-boca"?).
49. Deus vai enxugar suas lágrimas (O que dizer? Como é fácil falar).
50. Tá amarrado! (alguém sabe quanto tempo o Diabo leva para se desamarrar?).
51. Deus vai dar à nossa igreja um programa na Globo (tô com uma pulga atrás da orelha. Acho que esse pastor quer figurar na novela das 8).
52. Irmãos, Deus me deu revelação. Esse será o ano de Elias, de Josué, de Gideão, de João Batista... (Não parece calendário chinês?).
53. Abra a boca e profetize; as palavras têm poder.
54. Hoje eu deixo de ser crente se Deus não operar um milagre. (Por favor, deixe mesmo!)
55. Meus irmãos, estas igrejas que usam rosas ungidas, sal grosso para descarrego, etc., não são de Deus!....Ao final do culto tragam seus documetos, carteira de trabalho, chave de casa e do carro para ungirmos, pois aqui a coisa é diferente, Deus opera!
56. Não diga isso. As palavras têm poder!!
57. Incendeia tua noiva, Senhor.
58. Seja um adorador extravagante!
59. Fui chamado para ser um levita na casa do Senhor. Posso cantar na sua igreja e vender meus CDs?
60. Não podemos fazer da igreja um clube.
61. Sendo dizimista, você pode colocar Deus contra a parede.
62. Meus irmãos, é hora de mudar o Brasil.
63. Quem tem um caroço em qualquer lugar do corpo, levante a mão que Jesus vai curar agora.
64. A Rede Globo conspira contra a igreja.
65. Quanto mais glória você manda pra cima, mais glória Deus manda pra baixo.
65. Não dá o dízimo na casa de Deus, mas acaba "dando" na farmácia (Hum, não sei não!)
66. Você que não dá o dízimo não tem moral pra exigir nada de Deus.
67. Vamos pisar na cabeça do diabo; o Diabo só conhece o número do meu sapato.
68. Quando o crente ora, deve esperar retaliação do Diabo.
69. Sabe qual o nosso problema? O mundo está entrando na igreja.
70.Eu soube que o Anticristo já nasceu e está se preparando para aparecer.
71. Eu soube de um pastor que encontrou uns feiticeiros que estavam jejuando para fazer os pastores caírem.
72. O Rei Leão da Disney é gay!
73. Minha irmã, você precisa da nossa cobertura! (essa é quase pornográfica).
74. Não esqueça de enviar os boletos bancários que eu prometo subir o monte nesta madrugada e interceder por sua vida.
75. Não fique triste com a morte do seu filho (ou com seu divórcio, ou com sei lá o que). Tudo tem um propósito e Deus sabe o que faz.
76. Irmãos, hoje o Senhor falou comigo pela manhã para trazer esta palavra.
77. Orei e a chuva parou.(então ora e manda chuva pro nordeste, não é?)
78. Estou sentindo uma opressão aqui.
79. Hoje vamos ouvir o testemunho do Irmão que era ex-gay, ex-traficante, ex-drogado, ex-macumbeiro, ex-cafetão, ex-morto, ex-satanista, ex-sei-lá-o-que e que agora é crente!!!
80. Todo inimigo, fora daqui!
81. Posso ouvir 3 aleluias e 8 améns?82. Cuidado para não perder a benção, irmão.
83. Não adianta fugir de Deus, Ele vai ter pegar na curva.
84. Se não vier pelo amor, vem pela dor.
85. Sabe quanto custa uma consulta, uma internação? Dar o dízimo é mais barato.
86. Deus me revelou que 50 irmãos vão contribuir com mil reais cada um. Quem é o primeiro? Se não tem ninguém, então devem existir aqui 50 valentes que vão contribuir com quinhentos... Agora chegou a sua vez, meu irmãozinho querido. Todos vocês que sobraram tragam suas ofertas de um real. (Que leilãozinho ordinário, heim?)
87. Tomara que ao sair daqui um carro não passe por cima de você; vou orar para que Deus lhe dê mais uma chance.
88. Não troque sua salvação por um copo de cerveja.
89. Nesta noite Deus vai disribuir dar sapatos de fogo (Eu prefiro os de couro!)
90. Infelizmente ele preferiu morrer sem salvação do que voltar pra nossa igreja.
91. O diabo tentou impedir que você viesse aqui nesta noite, porque ele sabia que você seria revelado
92. Eu tinha preparado uma mensagem, porém o Espírito Santo quer que eu pregue sobre santidade (...E dê-lhe regrinhas!).
93. Deus confirmou a mensagem desta noite enquanto a irmã cantava aquele hino.
94. Dê o melhor que você tem , Deus não quer troco de ônibus.
95. Tire a melhor nota que você tem e ofereça o melhor sacrificio ao Senhor.
96. Tive uma visão que no estacionamento da igreja só tinha carro zero km.(Acho que ele confundiu a igreja com a concessionaria ao lado).
97. Minha teologia é joelho no chão!!!(Essa teologia é no mínimo esquisita).
98. Deus conhece a sinceridade do meu coração! Eu preciso da sua ajuda para manter este programa no ar e o número da conta é... (Sim, eu sei que Deus conhece tudo. Eu é que estou com alguma suspeita).
99. Se você sair de férias e não deixar o cheque do dízimo vai dar tudo errado na sua viagem. (E agora? Esqueci! Deve ser esse o motivo porque furou o pneu do carro)
100. Deus não escolhe os capacitados mas capacita os escolhidos. (Há muitos pastores repetentes nessa escola de capacitação).
101. Não toque contra o ungido do Senhor. (Chavãozinho para proteger os líderes inseguros).
102. Não diga a Deus que seu problema é grande; diga ao seu problema que o seu Deus é grande. (Poesia de quinta categoria]
103. Você é a menina dos olhos de Deus [com remela?]
104. Aqui é uma igreja diferente (Sério? Então tá].
105. Se vocês confiam em nós, pastores, para trazer a palavra de Deus, devem confiar na nossa administração das ofertas. Não precisamos prestar contas a ninguém, só a Deus [Hummm. Acontece que a palavra foi fraquinha).
106. Chega de esperar; hoje o seu milagre vai chegar (Posso reclamar no Procon?).
107. Plante sua semente que você vai colher a cento por um (Pequenas igrejas, grandes negócios).
108. Deus sabe de todas as coisas (Que clichê cruel, na hora que não tem respostas para uma questão).
109. "Mateus, Mateus, primeiro os teus" [Não entendi, hã?]
110. Comunico o falecimento do irmão Fulano. Infelizmente, perdemos um bom dizimista (A família enlutada agradece pelo gesto de solidariedade...).
111. Depois do culto, compre meus livros e CDs de mensagens. Vão abençoar o ministério infantil que cuido. Tenho quatro filhos (Se a piada é sem graça, imagine a mensagem dos Cds e livros.).
112. Olhe para o irmão do lado e diga "você está bonito hoje" (Por que tenho que fazer esse tipo de coisa? Logo eu que sou gaúcho?).
113.Tem gente que lê muito e só cresce em sabedoria humana. O importante é o conhecimento de Deus ["conhessimento" com dois "esses", provavelmente...]Acho que chega, não? A lista do besteirol parece não ter fim.
Soli Deo Gloria.
Fonte: Pastor Ricardo Gondim [www.ricardogondim.com.br]
É muito besteirol pra uma crença só. Putz - Levi Nauter

meu querido Ricardo - Levi Nauter

Levi Nauter
Louvo a Deus porque não pertenço a nenhuma instituição evangélica. Fui, por muito tempo, assembleiano (nasci nela); depois, fui batista. Agora sou gente. Agora vivo. É óbvio que a culpa não é divina, não estou louco! Mas, sim, dos que vivem do poder institucionalizado.
Reproduzo aqui as palavras do meu querido Ricardo Gondim. Meu querido porque com ele me solidarizo e não aceito alguns pseudointeligentes que se aventuram - burramente - a analisar textos sem levar em conta as figuras de linguagens, as múltiplas possibilidades da língua. Cansei! Querem analisar, analisem. O brabo é tentarem nos colocar na fogueira devido a nossa opção. Lamentável. Desgraçada demonstração de graça.
Fale, Ricardo:
Deflagrou-se uma campanha nacional para me difamar. Adianto que ela não foi engendrada por alguém especificamente. Só aconteceu dos ratos saírem do porão imundo onde regurgitavam suas invejas e, unidos, passarem a se deliciar com os boatos que buscam me destruir.
Uma característica desse tipo de rato é de se acreditarem fortes. Como se alimentam da ração da maledicência, acreditam que a fofoca de quem não tem talento, unção, graça e educação se transformará em verdade. Mas, mesmo que ratos virem vampiros, ele não metem medo, pois continuam roedores. E ninguém precisa gritar exorcismos contra eles, já que acabarão mordendo uns aos outros.
Querido leitor deste site, não espere que eu me defina teologicamente. Minha teologia é provisória. Não sou adepto de nenhum rótulo doutrinário; não aceito arames farpados no meu pensar. Dou-me ao direito de examinar tudo e reter o que for bom.
Como o Paulo Brabo, condenei minhas idéias "à reformulação eterna". Antes que algum magno chanceler denominacional, que sobrevive das estruturas do poder de sua instituição, tente me taxar de herege, exponho aqui, publicamente, os autores que me influenciam. Não tenho medo de fornecer a lenha que pode me incinerar.
Leio Jose Comblin, Jürgen Moltmann, Frei Betto, Soren Kierkegaard, Henry Nouwen, Brian McLaren, Juan Luis Segundo, Andrés Torres Queiruga, Karl Barth, Paul Tillich, Rubem Alves (embora ele não se considere um teólogo), Jung Mo Sung, Antônio Carlos Melo Magalhães, Ricardo Quadros Gouvêa, Rene Padilha e outros. Gosto de autores judeus, católicos, protestantes e uns poucos evangélicos.
Ah sim! Também não receio ler os clássicos da sociologia como Roger Bastide, Micea Eliade, Max Weber, Émile Durkheim, Peter Berger, Sérgio Buarque de Holanda e Gilberto Freire.
E já que estou mesmo me expondo, também estudo filósofos da estirpe de Jean Paul Sartre, André Comte-Sponville, Nietzsche, Luc Ferry e Simone Weil.
Reconheço que fui precipitado em postar minhas entranhas existenciais aqui no site. Fragilizei-me diante de analfabetos funcionais que não conseguem transpor seus rígidos catecismos, não sabem abstrair na metáfora e sofrem de paralisia mental, quando expostos à linguagem mítica. São eles que, no espírito do Talebã, reúnem as massas para gritar: "Crucifica, queima, apedreja, metralha, explode".
Alguns mais imbecis espalharam pelo Brasil que abandonei a Bíblia para ler autores seculares como Lobo Antunes, Victor Hugo e Jorge Luis Borges – será que se esqueceram de Machado de Assis? Os menos avisados se escandalizam, pois não concebem como um pastor pode gostar de Fernando Pessoa, Drummond, Chico Buarque ou Lenine.
Nesse clima de absoluta estupidez, recebo vários e-mails me perguntando o que aconteceu comigo. Minha resposta cândida: Nada! Continuo o mesmo. Sou pastor de uma linda comunidade em São Paulo, que me ama; prego aqui e acolá; estudo no programa de mestrado de Ciências da Religião da Universidade Metodista; escrevo para duas revistas; mantenho as postagens deste site; e treino para a próxima Maratona.
O que acontece então? A escuma nojenta dos invejosos subiu à tona. Quer um exemplo? Acabei de ser exortado com a seguinte mensagem:
nome: XXXXQual é o preço? Mt 10:8telefone: XXXXXXXmensagem: Sou servo do Altissimo, e as vezes ouço algumas de suas pregações.Certa vez, indiquei o site e quando citei o seu nome, a pessoa me informou que o senhor cobra para pregar em outras igrejas, e em uma ocasião, uma igreja estava te pagando R$5.000,00, e outra ofereceu R$25.000,00, e o senhor atendeu a que ofertou mais.Espero que não seja verdade, mas, se for, peço que o Senhor tenha misericordia de sua vida.


Mesmo que eu desafie que qualquer pessoa prove que eu tenha me comportando com tanta baixeza no sagrado ministério, entendo que não conseguiria esvaziar com esse tipo de fofoca.
Resta-me imaginar que esse tipo de prática seja comum entre os ratos vestidos de pastor e que eles, para se protegerem, queiram me fazer igual.
Aviltado, sou tentado a invocar alguns Salmos precatórios, mas não vou fazer isso. Prefiro reafirmar que, por essas e por outras, não quero mais colar meu nome ao movimento evangélico – com “e” minúsculo; necessito de sanidade espiritual para continuar Evangélico - com “e” maiúsculo.
Soli Deo Gloria.

RG

Ricardo Gondim, in "Fofocas sem fim", www.ricardogondim.com.br

Os tambores de Nietzsche - de Rodrigo Ferreira

Recentemente, através do Youtube, deparei-me com uma cena, no mínimo, inusitada: uma famosa cantora gospel brasileira, em um show (que insistem em chamar de “ministração”) começou a afirmar que, ao som dos tambores que seriam tocados pelos seus músicos, as potestades do mal seriam destronadas em nosso país, Satanás e seus asseclas seriam eternamente envergonhados, e o nome do Senhor seria exaltado. Infelizmente, não sei se isso ocorreu antes do recrudescimento da violência no Rio pré-PAN ou antes da avalanche de escândalos morais no Congresso Nacional. Porém, vi que, ao serem tocados os tambores, houve um frenesi, tanto na platéia como no palco: a cantora, sem muita intimidade com instrumentos de percussão, começou a “surrar” um gongo chinês, atravessando todo o ritmo, repetindo a todo tempo os mantras “o Brasil é de Jesus” e “diabo, você está derrotado”.
Sinto-me meio sem rumo. Em minha conversão, há 19 anos, nunca esperaria ver um ritual de macumba gospel palatável à burguesia divulgado pela internet. Ao formar-me no seminário e assumir uma igreja como pastor, há dez anos, não pensava em concordar tão prontamente com a banda de hip hop “Apocalipse 16”, na música “Meus inimigos estão no poder”, uma citação da composição “Ideologia”, de Cazuza.
É triste pensar no cristianismo evangélico atual no Brasil. Tornamo-nos pastiche de uma religiosidade irrelevante — e, o que é pior, tornou-se prato cheio para uma mídia com má vontade e sedenta de escândalos. Afinal, em dois dos mais recentes escândalos no país, evangélicos estão envolvidos de forma negativa: a recente acusação contra um deputado federal, líder de uma denominação, que pagou para um pistoleiro matar outro deputado, também pertencente à sua denominação; e, no caso do senador Renan Calheiros, Mônica Veloso, a repórter que não sabe fazer planejamento familiar e engravidou de um poderoso senador meio sem querer, afirmou ser, de acordo com entrevista à “Folha de S. Paulo”, “evangélica, batista, do Vale do Amanhecer”.
Friedrich Nietzche é um nome que causa arrepios entre nós, nem tanto por sua colaboração filosófica vital ao nazismo, mas mais por sua virulência contra o cristianismo protestante, atacando sem dó nem piedade a moral e os valores cristãos. Para ele, a figura de Jesus é o retrato mais bem acabado do fracasso e da derrota. Esta moral deveria ser suplantada por uma outra. Para tanto, ele propunha a nova moral, a nova ética, a partir do super-homem. Mas, para que tal intento tivesse sucesso, era necessário ter a consciência de que Deus, a fonte da moralidade cristã, morreu. Ele mesmo escreveu, em um de seus textos: “Deus morreu e nós o matamos! Sinta o cheiro da putrefação divina!”
Será que Nietzche está, afinal, certo? Será que Deus realmente morreu? Afinal, qual a relevância de Deus para o movimento evangélico de hoje? Qual a relevância dos valores do Evangelho do Reino, reduzidos a um mero exorcismo com tambores em um “show gospel” mal tocado? Aquilo que aprendemos nos domingos, em nossas comunidades, é praticado no dia-a-dia? Aquilo que aprendemos é mesmo aquilo que está na sua Palavra? Deus é relevante, ou se torna figura de retórica, pedra de toque, fetiche religioso para manipulação mágica do mundo espiritual, como o temos reduzido ultimamente?
Se não retornarmos (ou melhor, nos convertermos) ao Evangelho do Reino, abandonando o falso evangelho da macumba gospel, infelizmente, seremos obrigados a imaginar Nietzche, com aquele bigodão de vassoura, dando folgadas gargalhadas no inferno e gritando em alemão: “Eu venci!”. Que sejamos sal em um mundo apodrecido e luz no meio das trevas religiosas. Que o Senhor tenha misericórdia de nós.
Rodrigo de Lima Ferreira, casado, duas filhas, é pastor da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil desde 1997. Graduado em teologia e pós-graduando em missões urbanas, hoje pastoreia a IPI de Serranópolis, GO.
Rodrigo, na minha opinião mandou bem. É o que penso dessa falta de criatividade musical cristã que vem tomando conta dos cristãos brasileiros. Carecemos de mais brasilidade.

[o desenho de um pai] – texto 15



Levi Nauter



- Anda, excomungado.
O pirralho não se mexeu, e Fabiano desejou matá-lo. (...) Fabiano meteu a faca na bainha, guardou-a no cinturão, acocorou-se, pegou no pulso do menino, que se encolhia, os joelhos encostados ao estômago, frio como um defunto. Aí a cólera desapareceu e Fabiano teve pena. (...) E a viagem prosseguiu, mais lenta, mais arrastada, num silêncio grande. (Graciliano Ramos)





O que prende mais a nossa atenção é o sentimento de culpa que todo homem experimenta, não pelo mal que fez, mas pelo bem que deixou de fazer.


A vida sempre traz conflitos, fundamenta-se no conflito, mesmo no caso da mais humilde célula que só subsiste defendendo-se constantemente contra o meio ambiente.
(Paul Tournier)










Falar de pai sempre foi para mim uma tarefa difícil. Somente agora, com a idade de Cristo, me é possível fazer uma reflexão. Mais que isso, a possibilidade está intimamente ligada ao meu desejo de também ser um pai. Sei dos riscos dessa empreitada, haja vista não existir um manual de boas práticas para essa nobre e linda 'tarefa'. Opto, contudo, por correr o risco. E o faço em função de duas razões: (1) porque nunca gostei da mesmice, o risco deixa a vida mais interessante e (2) porque tenho um pai - digamos - carnal, um pai celestial, um desejo de fazer parte desse rol, além de, na minha profissão, conviver com alguns pais.

O PAI TERREAL




Minhas lembranças paternas guardam um misto de alegria, tristeza e esperança. Essa tríade possivelmente acompanhar-me-á até minha velhice, quando, então, sob outra ótica, observarei minha atuação, meu desempenho, minha entrega ou falta dela ao longos dos irrecuperáveis anos. Equivale dizer que não se pode negar o passado; ao contrário, precisamos encará-lo de frente, de trás, pelos lados, por cima e por baixo. Assim é que se criará a possibilidade da mudança possível e/ou mudança necessária. Negar o passado é dizer sim à falácia, viver uma superficialidade disfarçada de profundidade.
Minha alegria tem a ver com saber-me filho de alguém. Saber quem é meu pai, como é seu rosto, qual o seu nome, a sua profissão. Lembro-me do seu colo na infância, um colo forte, aconchegante. Sentia-me bem protegido. A profissão de meu pai dava-lhe a condição de ter braços fortes, sua autoridade dentro de casa parecia-me incontestável. Na época escolar, quando algum coleguinha me ameaçava, ele prontamente resolvia o problema e o que me causava medo logo era dissipado. Na juventude ouvi alguns de seus conselhos - a rebeldia impediu-me de concordar com outros. Era sempre bom poder contar das minhas conquistas, o que fazia no colégio, no trabalho, na igreja.
Porém, ao lado dessa alegria, por vezes caminhava a tristeza. Isso porque nossos momentos de diálogo profundo foram poucos. Raramente conversávamos sobre nossos sentimentos. Os assuntos giravam, digamos, em torno de superficialidades e (pseudo)certezas. "Como foi o dia?", "obedeceste a mãe?", "fizeste os deveres de casa?". Havia momentos em que meu coração, por uma razão ou outra, parecia apertado. Tinha que arranjar um jeito solitário para o desaperto. Noutros momentos a razão do aperto era o próprio pai, a mãe havia prometido contar minhas traquinagens ao chefe da família. Enquanto eu não deitava na cama a fim de dormir para acordar no dia seguinte, meu coração quase saía pela boca. Nem sempre escapava ileso. Trinta e três anos depois, ainda pareço sentir a dor das surras que levei, muitas delas por motivos fúteis.
Também senti tristeza por ver um interesse muito maior em ausentar-se de casa do que uma alegria em estar com os filhos e as filhas. A igreja, o templo, a "obra de Deus" eram as culpadas, ou as desculpas. Tivemos tão poucos momentos de lazer com os pais que tenho de fazer esforço para lembrá-los. Os desfiles em comemoração ao sete de setembro são quase as únicas lembranças. No dia 7 acordava às seis da manhã para não perder de passear. O passeio consistia em ficar das sete às treze horas olhando a parada militar. Ficava com fome, mas agüentava quieto para poder garantir o passeio do ano seguinte. Fui herói, só hoje noto.
Não poderia deixar passar em branco a imagem que me abalava: um homem inexorável, impenetrável, infalível. Nunca o via chorar, era sempre forte, tudo sabia; mandava e desmandava. Que pena e que triste deve ser para alguém não poder ser humano, demonstrar que é frágil, que precisa de abraço, de aconchego tanto quanto uma criança. Que sem graça deve ser a vida sem a possibilidade do erro, do arrependimento, do perdão, do recomeço, da criatividade. Quão desumana deve ser a vida que nos exige perfeição. Que injusto terá sido Deus que nos exige perfeição colocando-nos num mundo de imperfeições.
Cresci, cortei o cordão umbilical, casei. Vivo na esperança.
Alimento uma esperança infindável na possibilidade de mudança. Imagino que todos os seres humanos são passíveis de erro e, sobretudo, da mudança de foco. Ou seja, acredito que arestas podem ser aparadas e um bom diálogo pode fluir a partir daí.


O PAI DE PRIMEIRA VIAGEM




Os meus sonhos com a paternidade não estão imunes à tríade. Compartilho com a Lu da imensa alegria de planejarmos um filho ou uma filha. Até sugestão de nomes temos. Na nova casa que estamos construindo, há um lugar especial para ela ou para ela. Dele, imaginamos uma pequenina criança saindo e batendo na nossa porta chamando-nos de pai ou mãe. Às vezes, enquanto estou dirigindo o automóvel, digo pra Lu: "ah, se tivéssemos um 'bichinho' aqui no banco de trás". A emoção toma conta!
Quando penso num filho ou numa filha imagino sua fisionomia, seus olhos (serão castanhos como os meus ou verdes como os dela?), o corpo, a voz, os diferentes tipos de choro, o cheiro, as manias, as manhas, as vontades, os desejos. Que histórias vou contar? Que músicas cantarei? Com o que vou me preocupar? O que, como e por que ensinar? Como fazer acordos? Em que momento discordar? Todas essas perguntas consideramos importantes; todavia, mais importante ainda é termos esse pequeno ser. Ele certamente será um presente de Deus nas nossas vidas. Com ele certamente muito mais aprenderemos do que ensinaremos.
Em face do que disse, poderia haver lugar para alguma tristeza? Ora, nossa única tristeza, se é que podemos assim nos referir, tem a ver com o mundo do trabalho. Seria muito bom se as condições financeiras permitissem-nos tê-lo antes. No entanto, não é assim. Só agora é possível realizar o sonho. De outra parte, a tal tristeza é logo superada pelo entendimento de que esse é o melhor momento para vivermos o que estamos vivendo.
As esperanças, portanto, são muito maiores.
Que esperanças? O que posso esperar na convivência com um filho ou uma filha? Na verdade minhas esperanças estão embrenhadas na minha cosmovisão. Ao explicitar minha visão de mundo, trago 'casado' aquilo que espero, que sonho. Meu esforço será dizer mais do sonho/esperança e deixar nas entrelinhas minha cosmovisão.
A maior esperança que carrego é o desejo de ser amado por meu filho ou filha. Tudo que disse até aqui, as emoções que me tomam ao falar de um vindouro filho é uma espécie de preparação para a sua chegada. Se minha imaginação corre mundos e mundos de sonhos, tem tudo a ver com a criança que fará parte da minha vida. Seria difícil saber-me não amado pelo meu filho.
Ser um parceiro na caminhada da vida de meu filho ou filha é outra esperança que acalento. Quero que ele ou ela possa contar comigo incondicionalmente, em todas as etapas da vida ou, como diz a Dra. Karin Wondracek, em todas as 'estações' da vida. Assim, quero mostrar-lhe o mar, o barulho das ondas, a gostosura de caminhar na beira da praia. Ao mesmo tempo, o perigo do mar, o risco que se corre ao sair de perto dos salva-vidas. Na primavera, quero - com ele ou ela - apreciar as flores, suas tipologias, os cheiros; a estética é um presente de Deus. Mostrar-lhe as folhas caindo, o vento as carregando e o burburinho que faz, será outro desafio no outono. A beleza da Serra, de um bom café, um bom livro, a culinária, as artes em geral, mas também o silêncio, a quietude, os temporais os relâmpagos, as chuvas. Ah, inverno da vida. Que desafios me aguardam! Estou ansioso por eles. Quero tanto ver e fazer parte da alegria de meu filho ou filha.
Não penso em ser o mestre infalível. Não me imagino com um livro de boas maneiras debaixo do braço, nem sonho com obras que tentam dizer como ficar rico, como ser profissional de sucesso, como ser um pitt bull. Caso ele ou ela opte por essas obras, tudo bem. Eles, espero, serão gente e farei de tudo para que vivam gentificados.
Penso em ensinar pelo exemplo, ensinar a fazer fazendo. Penso em pedir desculpa e perdão quando cometer erros. Penso em continuar coerente com meu discurso contra o machismo, contra os preconceitos de gênero e de opção sexual. Anseio disseminar nele ou nela a fé cristã que, com alegrias, tristezas e esperanças, venho cultivando - não obstante os ventos contrários. Mas uma fé cristã de mais prática que prédica, independente de denominação e/ou instituição eclesial. Uma fé com íntima relação divina porque com íntima relação humana.

O PAI CELESTIAL




Contrariando o que dizem alguns (que a relação com nosso pai carnal refletirá na relação com Deus), o meu relacionamento com Deus vem melhorando sobremaneira conforme me vou imaginando pai. Na medida em que tiro de mim as pretensas sabedorias, as doutrinas, os dogmas, vou chegando mais perto daquele que É. Por isso, no meu caso, a instituição demonstrou-se inútil, ineficaz. Sem ela é que venho compreendendo o sentido do relacionamento com Deus. Sinto a necessidade da companhia de outras pessoas, claro. Mas isso independe de um templo. O templo sou eu.
O Pai Celestial não me exige perfeição, se assim fosse não me criaria. Requer meu esforço e, ainda assim, concede-me o livre-arbítrio. Na passagem por esse Planeta, quer ver-me aproveitando da sua criação e quer ser adorado com a imensidão e a profundidade de todas as artes. Imagino que sua multiformidade exclua os rótulos, as nomenclaturas, as vãs doutrinas, o passa-tempo religioso. Possivelmente odeia o fundamentalismo. Um bom exemplo de pai é Deus que não poupou o próprio filho. Por outro lado, Cristo também é um bom exemplo de pai da fé, basta lermos os evangelhos.
A melhor notícia do pai celeste é que posso desabafar com ele todas as minhas alegrias, tristezas e esperanças. Suas misericórdias se renovam a cada manhã. Talvez esse seja o modelo a ser seguido, um amor acima de qualquer suspeita.
Em que pese a minha pecaminosidade, o Pai (com letra ‘bem’ maiúscula) me ama e tenho vivido cotidianamente esse amor. NEle não preciso ter medo de ser entregue por alguma estrepolia. Desconfio que Ele me acharia anormal se assim eu não fizesse. Se um filho meu não subir numa árvore, por exemplo, acho que estará faltando alguma coisa para ele ser considerado normal, gente. Também acho que esse mundo é o lugar no qual estou para duas consciências: (1) saber que vivo num processo de aperfeiçoamento para um mundo vindouro, cujo reflexo dele (2) tenho de esforçar-me para que comece por aqui. Isso significa, em outras palavras, que nesta Terra não há perfeições, há tentativas do melhor. O melhor está por vir. Preciso, portanto, aprender a partir do(s) erro(s). E o Pai sabe disso; Ele está no controle.
Só Deus, o melhor pai do mundo!
Obrigado Deus! Por tua graça estou vivo.




NOTAS NÃO MENOS IMPORTANTES

A ILUSTRAÇÃO deste texto foi retirada, com o todo o respeito, da bela novela de Drummond Amorim, Xixi na cama, publicada pela editora Dimensão, de Belo Horizonte, em 2006. Ainda bem, o livro está na segunda edição. O desenho de Robson Araújo.

A primeira citação foi retirada da página 10 da maravilhosa obra Vidas Secas, do maravilhoso Graciliano Ramos. Retirei da edição 83, publicada em 2001, pela Record. Na verdade fiquei na dúvida cruel entre essa obra ou um trecho de Infância. Esta ficará para uma próxima; a significação da outra, agora, pesou mais.

As duas outras citações são de um senhor com cara de carrancudo, mas que, no entanto, nos faz chorar com sua sensibilidade e sua minuciosa análise da alma humana. Ler sua obra tem sido a descoberta de que Deus tem muito para mim, apesar dos meus erros. Ele é autor, entre outras, das obras Culpa e Graça (editora ABU, 1985) e Mitos e Neuroses (editora Ultimato, 2002)

A Dra Karin H. K. Wondracek é a pessoa com quem venho aprendendo a ver a criação divina com mais graça e menos culpa. Com ela descobri que Deus tem o melhor pra mim em todos os sentidos. Duas obras, entre outras produções suas, destaco: Aprendendo a lidar com as crises, editora Sinodal, 2004 (em co-autoria com o Dr. Carlos Hernandez); e Caminhos da graça, editora Ultimato, 2006.

igreja emergente, por Ed René Kivitz

Ed René Kivitz
Bastou que ficassem sabendo que eu estava lendo Brian McLaren e Rob Bell para perguntarem se eu havia aderido ao “emerging church”, ou “igreja emergente”, um movimento que nas duas últimas décadas vem ganhando corpo na igreja evangélica, especialmente de fala inglesa.[1] Você agora é do Emerging church?, querem saber. A pergunta é típica de quem gosta ou precisa rotular pessoas, e muito peculiar à realidade evangélica brasileira que vive de modas do tipo agora é isso, agora é aquilo. De minha parte, sigo o que recomenda o apóstolo Paulo: examino tudo para tentar reter o que é bom. Interessante como tem gente que confunde investigação com adesão.Por trás da pergunta existe também uma certa ignorância a respeito do movimento emerging church. Primeiro, porque o movimento é recente e ainda não está consolidado em suas bases teóricas. Mas também pelo próprio espírito do movimento que visa romper com o dogmatismo da modernidade e abrir um diálogo mais aberto e inclusivo no contexto da chamada pós-modernidade. Dentre tantas tentativas de enquadramaento do movimento, opto por seguir o conceito de Brian McLaren:“What are we in the so-called emerging churches seeking to emerge from? We are seeking to emerge from modern Western Christianity, from Colonial Christianity as a white man’s religion”.[2]
Em outras palavras, a igreja emergente está emergindo de onde ou de que? De acordo com McLaren, da cultura e mentalidade modernas e do imperialismo religioso anglo-americano. Isso fica mais claro quando McLaren confessa que o Emerging church está atrasado:“African and African American Christians (Black theology) and Latin American Christians (liberation theology and integral missiology) have been hitting these themes with intelligence and passion for decades, but few of us listened to their spokespeople, whether it was Dr. King or Desmond Tutu, Gustavo Gutierrez or René Padilla”.[3]Agora sim posso responder se estou no Emerging church. Estou sim. Desde 1983 quando li René Padilla pela primeira vez. E depois continuei lendo: a série Lausanne,[4] Richard Shaull, Orlando Costas, Samuel Escobar, Robinson Cavalcanti, Severino Croatto, Norberto Saracco, Harold Segura, Pedro Arana, os irmãos Leonardo e Clodovis Boff, José Comblin, e mais recentemente, Frans Hinkelarmmert, Hugo Assmmann, Jung Mo Sung, Juan Luis Segundo, Jon Sobrino e André Queiruga.Há mais de 20 anos estou mergulhado no universo de pensamento onde o labor teológico acontece não apenas nas categorias da filosofia clássica, do padrão racionalista da modernidade, e do horizonte de reflexão norte-americano. Há vida, teologia, e eclesiologia fora do eixo do primeiro mundo.
Há inteligência entre os pensadores que falam os dialetos africanos, o espanhol e o português. Existem casas de profetas longe de Dallas, Atlanta e Los Angeles. Pena que as editoras cristãs evangélicas sejam casas tradutoras dos que falam apenas inglês.Oxalá o Emerging church se torne mais do que uma tentativa de dialogar com a pós-modernidade e um rompimento com o etnocentrismo anglo-americano. Oxalá o primeiro mundo ouça o suspiro dos oprimidos e considere fazer teologia para responder também ao sofrimento do corpo e não apenas às angústias da mente. Oxalá o mercado evangélico publique o que vale a pena ser lido e não o que vende. Oxalá os teólogos acadêmicos ocupem-se não somente com a ortodoxia, mas também com a práxis cristã. Oxalá os pensadores do Emerging church tirem o atraso – são benvindos em nossa estrada. Oxalá sigamos todos cobertos pela poeira dos pés de Jesus.[1]
Você pode encontrar mais informações em:
Scot McKnight. Five Streams of the Emerging Church, In: http://www.christianitytoday.com/ct/2007/february/11.35.html;Michael Edward. An emerging Christianity,In: http://emergingchurch.info/reflection/michaeledward/index.htm.07;http://igrejaemergente.blogspot.com.http://www.emergentvillage.com[2] McLaren, Brian. Church emerging. In: Paggit, Doug e Jones, Tonny. An emergent manifesto of hope. Grand Rapids, MI: Baker Books, 2007, p. 149.[3] Idem. p. 147.[4] Congresso Mundial de Evangelização realizado em 1974 na cidade de Lausanne, Suíça, e que deu origem ao “Pacto de Lausanne”, que sintetizou a missão integral da igreja como “o evangelho todo, para o homem todo, para todos os homens”.

REFLEXÃO

Levi Nauter



"A gente pode alimentar-se sem comer e, a rigor, pode comer sem alimentar-se. Por exemplo, ingerindo os lanches do Mac Donalds... (sic)"

Sírio Possenti, lingüista e professor da UNICAMP
A frase está registrada na obra A cor da língua e outras croniquinhas de lingüística, publicado pela editora Mercado das Letras.

[teologia bla-bla-blante] - texto 14


Levi Nauter





No exato momento em que acabo de rever (perdi as contas) o belo filme Um lugar chamado Notting Hill, estou tomando um ótimo café preto, com um saboroso bolo feito pela Lu. Gosto do filme pela trilha sonora (especialmente a que encerra a entrevista e o filme) pela elegância de Grant e pela boca da Roberts; acima de tudo porque fala de livros. Meu assunto não é livros, no entanto. Ando lendo bastante, estudando bastante, porém não vou tratar disso. Esse foi, digamos um mote.
Quero falar de um discurso bla-bla-blante. Uma teologia que me parece igualmente bla-bla-blante.
Estou pensando, ao engolir goles quentes de café, que – para mim – assuntos teológicos ou, como diziam na minha infância, coisas de Deus podem ser muito chatas, massantes. É um saco (perdoem-me a indelicadeza) essa coisa de Deus pra cá, Deus pra lá. Há assuntos para os quais não estou mais disposto a debater. Veio a minha memória o slogan da Philco: “tem coisas que só a Philco faz pra você”. Pois, tem coisas que são só pra se perder tempo. Discussão teológica está me parecendo assim. Mais especificamente, a teologia que vislumbro está longe do senso comum. Em geral, o fundamentalismo cristão, travestido de radicalidade e com aparência bíblica, não aceita o diferente. Então, é perder tempo na discussão. Demais a mais, minha vida cristã não está para chamar a atenção de crentes. Sirvo a um Deus multiforme.
Chamo de teologia bla-bla-blante essa disposição em tentar desmerecer a opinião do outro. Há um afã no fundamentalismo, um verdadeiro tesão em dizer e fazer valer, a qualquer custo, a sua palavra. Palavra recheada de “eu”. Um “eu” vazio buscando fortaleza nos chavões, nos “eu determino” ou “eu não admito isso” ou “eu sou o pastor” (leia-se eu quem mando); em suma, uma reedição da temática já bem abordada pelo antropólogo Roberto DaMatta, sintetizada na famosa frase “sabe com quem estás falando?”. Síntese também da teologia do medo.
E é bla-bla-blá porque nada acrescenta e torna-se irrelevante, porque não quer dialogar, porque não aceita contraponto, porque não admite paralelos. É bla-bla-blá pois propõe-se salvadora do mundo e sanadora de todos os problemas da humanidade. Pior de tudo, quer pasteurizar, tornar uníssono o que é ou pode ser plural. É bla-bla-blá porque não pensa, apenas vai na onda. E falo mal dela por experiência própria. Já fui adepto da salvação english; por um bom tempo achei que só os “gringos” possuíam talento – aos do sul fora dado o dom de interpretação de línguas, começando pela tradução das músicas e, num segundo momento, pela de livros. Nessa experiência que não nego, mas da qual não tenho nenhuma saudade, tudo deveria acabar com palavras do tipo gospel, mission, bless, yes. Esse tempo foi-se, graças a Deus e ao Guimarães Rosa, ao Machado, ao Graciliano Ramos, entre tantos outros 'evangelistas' da brasilidade. Descobri que não nasci por acaso num país de terceiro mundo, agora dito ‘em desenvolvimento’. Minha teologia parte da minha realidade para dialogar com outras realidades, e não o contrário. Não quero simplesmente adaptar-me ao norte.
Minha teologia não nega – sob nenhuma hipótese e sob nenhum pretexto – a soberania divina. Apenas não aceita o senso comum, o fatalismo, o discurso fácil fora da realidade. Minha teologia não é marqueteira, ou seja, não fico contando quantos se converteram enquanto eu falei; não digo quantas vezes oro por dia, se jejuo ou não; não considero o outro como um número no rol de membros ou no rol dos ‘desviados’ (palavra desgraçada). Ah, não tenho o dialeto, não fico pateteando com os ‘tá amarrado’, ‘foi tremendo’, ‘meu amado’, meu isso-meu aquilo, nem com ‘o Senhor é isso dessa ou daquela cidade’. Também não perdi tempo fazendo o ‘mapa astral’ do lugar onde moro, muito menos para o belo lugar onde logo vou morar.
Minha teologia não é humanista, mas tem ligação com o humano porque é feita de gente e porque Deus se fez gente. Deus não se fez de tolo para ganhar tolos; fez-se de gente para ganhar gentes. Sou um cristão genteficado. Humano, pecador, carente de companhia, carente da misericórdia divina. Ela, por outro lado, não tem medo. Pouco se importa com o que dizem. Ela é livre, não está atrelada a templo, não está gessada, amarrada, atada. Sim, minha teologia está livre de frases feitas e de efeito. Vivo na dependência divina. E não há lugar melhor para estar.
Portanto não discuto mais com fundamentalistas, com fatalistas ou quaisquer tipos cuja intenção seja converter-me. Estou pronto, sim, para o diálogo, para a conversa, para compartilhar as maravilhas divinas. Contudo, não para concordar e ser concordado. Para ser respeitoso sempre, conivente às vezes. Em vez de discutir, vou ler, ouvir música, namorar minha esposa, passear, assistir a um bom filme e, creiam-me, conversar com descrentes.
A teologia bla-bla-blante só pinta o diabo. Vê Deus onipotente e tudo o mais que cause espanto, medo, receio, ressalvas. Esquecem-se do Deus-amor, do Deus que alivia o fardo e suaviza o jugo. A teologia bla-bla-blante é farisaica. A teologia bla-bla-blante possui pedras na mão para atirar.
Prefiro a teologia que dialoga. Cristo, basta ler a Bíblia, sempre dialogou mais. Foi incisivo quando necessário, chorou, riu, participou de festa, lia, conversava. Não tinha, diga-se logo, jeito machista.


A melhor notícia dos evangelhos é a graça. Talvez uma outra tão boa quanto essa seja a ausência de placa denominacional. Ufa!
NOTA
A ilustração foi feita por José Francisco Borges para a obra As palavras andantes, de Eduardo Galeano, 5.ed., 2007, publicado pela L&PM.

[democracia e cristianismo] – texto 13


Levi Nauter




Quem começar essa leitura deve concluí-la ou, então, não saia falando mal. Do contrário, serás anátema. Levi Nauter




Considero-me alguém democrático. Respeito as opiniões alheias, dialogo com gentes as mais diversas - até por trabalhar na área da educação, área de muito diálogo e questionamentos, área em que não se engole apenas uma visão de mundo. Ao longo dos meus poucos trinta e três anos, tenho escutado de tudo tanto a respeito do mundo quanto de mim. Chamaram-me de tudo nesses anos. Vários desses chamamentos foram escutados em silêncio. Aprendi (e ainda aprendo) muito com o silêncio, ele tem sido o professor que idealizo um dia ser.



Quando penso em democracia e cristianismo penso na História. E esta não tem sido conveniente nem conivente para com os ditos representantes de Cristo. Ou seja, historicamente a Igreja não tem sido democrática. E, na minha opinião, ainda não é. Todo o discurso dela gira em torno da unicidade, de uma só voz, de apenas uma visão, da unilateralidade. Aqui cabe um, digamos, clareamento. Não sou contra a que se tenha uma cosmovisão. Ao contrário, acho até necessário para estar vivo. O problema está no desrespeito.



A Igreja, ao longo da história, não respeita outra cosmovisão que se diferencie da sua. Ela, a meu ver, tem girado ao redor do próprio umbigo e recheado essa restrita visão com textos bíblicos. Com a máxima "só Cristo salva", com a qual compactuo, as instituições acham-se no direito de execrar quem não pensa da mesma forma. As milenares religiões orientais, os movimentos sociais minoritários, entre outros, são sistematicamente desrespeitados. Assim, absurdamente tenta-se criar um lado do bem (os salvos) e um lado do mal (os perdidos). Nessa, há julgamento sim. Ou se está no barco cristão ou se está no do diabólico. Eu prefiro dizer que não estou em nenhum. Primeiro porque não acredito em fatalismos. Segundo, porque se o barco cristão significa ser institucionalizado vou preferir estar fora.



Eu gostaria que democracia e cristianismo andassem de mãos dadas. Que o respeito ao outro tivesse o mesmo significado que o livre-arbítrio. E que essas duas frases fossem sintetizadas em amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como amamos a nós mesmos. Gostaria de não ser execrado porque optei por não mais freqüentar um templo cristão. Espero pelo dia em que ser cristão não signifique vestir camiseta denominacional. Também sonho com a queima ou o lançamento no mar do esquecimento das tabelas nas quais constam quantos indivíduo fulano ou cicrano trouxe para a denominação; quanto foram batizados do grupo tal; quantas reuniões o grupo familiar fez. Para ser mais sincero, estou de saco cheio dessa ladainha.



Estou farto de ouvir milagres aqui, milagres ali. O povão, a plebe está doente e as lideranças estão com os bolsos cheios de dinheiro suado. A líderes construindo mansões ou casas tais que muitos dos seus membros nunca chegarão perto. Isso só pode ser coisa do diabo. Mas isso ninguém diz. Os discursos vazios que se ouve parecem dizer que os EUA e a pastorada brasileira vai salvar o mundo. Pastor pregando parece que nunca peca, nunca é tentado, nunca fala mal de ninguém. É perfeito, só falta morrer e ir pro céu. Chega!



Há exceções, claro, como em tudo na vida. Contudo, os que reivindicam essa liberdade e democracia cristã são tachados de ecumenistas. Tacham sem saber o que estão falando, sem a devida profundidade no estudo da palavra, do vocábulo. Esses fraternos irmãos - alguns dos quais nem sabem que eu existo - têm contribuído no meu aprofundamento com o Deus Todo-Poderoso. Esses serão os que vão (ou já estão a) enfrentar a grande tribulação gospel. São os diabolicamente chamados de rebeldes, insubmissos. Com esses me congratulo. Junto-me a eles para denunciar e anunciar. Denunciar injustiças, falácias; anunciar o Cristo que salva, que dá livre-arbítrio, que respeita, que é justiça e, sobretudo, amor.



Por enquanto estou vivendo a verdadeira liberdade. Com ela, tenho lido intensamente obras que edificam, que informam, que formam, que entretêm. Leio livremente, sem ter que ouvir sermão sugerindo o contrário, livros cristãos e não-cristãos. Diversas crenças têm passado pelas minhas mãos. E tem sido um privilégio folhear tais páginas. Poesias, contos, novelas, crônicas, cartas, desabafos, textos sagrados. Músicas diversas (como o maravilhoso grupo Mawaca, por exemplo), com a companhia da minha amada Lu, além de um bom cafezinho ou vinho. Não há como não gozar essa maravilha. E isso, pra mim, é privilégio dado pelo Deus a quem sirvo.



É por essas e outras que não vou mais discutir com quem, de antemão, quer impor. Vou optar pelo silêncio ou pelo desabafo, conforme a situação. Minha solidão tem sido muito produtiva. Estou rodeado de gente que viveu muito antes de mim, que sofreu tantas ou mais agruras: Paulo Freire, Kierkegaard, Nietzsche, Chesterton, Pagu, Ricardo Gondim, Caio Fábio, Robinson Cavalcanti, Elis Regina, V. Gogh, Gilberto Freyre, O Rappa, Mundo Livre S/A, entre tantos outros que me fogem da memória neste instante. Fogem para depois exigir companhia ao longo de páginas, por vezes, amareladas; fogem para depois compartilharem comigo os ritmos brasileiros, afro-brasileiros, maravilhosos.
Termino com o maravilhoso Freire, educador e mestre:

Estar só tem sido, ao longo de minha vida, uma forma de estar com. (...) recolhendo-me conheço melhor e reconheço minha finitude, minha indigência, que me inscrevem em permanente busca, inviável no isolamento.

Estou na aventura com Deus. Ele é o meu guia. Não aceito outro porque este teria algum conhecimento a mais, porém tão terreal quanto o meu. Com Ele é diferente e essa é a minha preferência.



Notas
FREIRE, Paulo. À sombra desta mengueira. 4.ed. São Paulo: Olho d'água, 2004, pág. 17.

A linda ilustração desse texto é um desenho da maravilhosa escritora infanto-juvenil Eva Furnari. Ela escreveu e desenho para a obra Advinhe se puder, publicado pela editora Moderna, 2.ed., 2002, p. 18.

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Para pensar e refletir sobre o cotidiano de um cristianismo que transcende as quatro paredes de um templo.


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LEVI NAUTER DE MIRA, doutorando em educação (UNISINOS), mestre em educação (UNISINOS) e graduado em Letras-português e literatura (ULBRA). Tenho interesse em livros de filosofia, sociologia, pedagogia e, às vezes, teologia. Sou casado com a Lu Mira, professora de História, e pai da linda Maria Flor. Adoramos filmes e séries.

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