[outra vez: livro x evangelho] – levi nauter

Levi Nauter



Outra Feira do Livro, outra decepção com o meio evangélico. Falo das denominações pentecostais e neopentecostais, além de estar me referindo especificamente ao estado gaúcho. Aqui, gabamo-nos, lê-se mais. Se as pesquisas são verdadeiras, não revelam a realidade no chamado mundo gospel. Nada mudou nesse meio desde meu último texto, há doze meses. O que parece evidenciar uma certa inutilidade da igreja-instituição.
Neste ano, assombra-me os meios de comunicação evangélicos. Sim, porque os católicos estão lá, com sessão de autógrafos de padres, com algumas entrevistas. Porém, as emissores que dizem ‘ganhar’ almas nem tocam no assunto, nenhuma referência a importância do ato de ler
[1]. A mídia não cristã, criticada por televangelistas que dela se utilizam, está lá com seus estandes. Os nossos deviam estar preocupados em pregar. Pregar peças nos fiéis.
No segundo dia de Feira, dirigi-me a uma conceituada livraria evangélica e perguntei: - vocês têm alguma obra do Brian D. McLaren? Os olhares pareciam me dizer “isso faz mal com leite?”. Falta de informação, porque de uma das editoras que o publica
[2] no Brasil havia pilhas de ‘livros de receita’: Derrubando Golias (do Max Lucado); Você faz a diferença (John Maxwell); A dieta de Jesus (Dr. Don Colbert), entre outros. Pode ser falta de leitura também (e bem provável), ou, ainda, estratégia pura de venda – uma vez que se viam aquelas obras (se podem assim serem chamadas) que ocupam espaço nas revistas e jornais evangélicos de circulação nacional. Ou seja, mais receita (o possivelmente inútil Eu e minha boca grande, de Joyce Meyer, pra ficar com um exemplo). Pouco ou quase nada vi dos ‘rebeldes’: Rubem Alves, Bultman, Tillich, Barth...
Ah, vi também aqueles aproveitadores, os que esperam um livro ‘mundano’ fazer sucesso para terem seus minutos de fama. Como exemplo, lembro-me dos que aproveitaram a carona do sucesso de Dan Brown com seu “O Código Da Vinci”. Agora é a vez de criticar “Deus, um delírio”.
Satisfaria-me uma denominação que investisse numa programação paralela incentivando a literatura. Se isso existe, acho que deveria ser divulgado ao máximo possível, essencialmente o retorno que isso dá aos participantes. O evangelho se tornaria mais relevante e, acredito, mais interessante. Imagino como seria legal poder ligar o rádio e ouvir um cristão-evangélico dando entrevistas, relacionando o cotidiano com o evangelho, aliando intelectualidade e evangelho, filosofia e evangelho, educação e evangelho, criatividade e evangelho. Mas não, o que vemos são incutições de doutrinas (doutrininhas).
Sinto em ter de concordar com Rubem Alves, a igreja não cria artistas só teólogos, só hermeneutas. A igreja-instituição não está interessada em programação cultural. Sobretudo, ela não se preocupa com o prazer, a leitura por prazer, a arte pelo prazer; quer, isso sim, finalidades. Na instituição tudo tem que ter um fim. Não é o que vemos na vida de Cristo. Nem tudo que Jesus fez tinha um fim em si mesmo, basta ler com mais atenção. À igreja-instituição interessa a guetização, o cerceamento da liberdade dos fiéis, sob a égide da submissão, sob a falácia do princípio da autoridade. Sob a ditadura.
Definitivamente não é essa a leitura que me interessa.
Foi a mesma razão que me levou a discordar frontalmente de um editor de uma respeitada editora cristã. Ele me dizia que os cristãos liam e liam muito. Citou-me alguns exemplos com os quais não pude concordar. Não me parece que ler Rick Warren, por exemplo, acrescente relevância ao cristianismo. Também não acho que as denominações que optaram pelos 40 dias com propósito estejam melhor do que as que não fizeram a mesma opção. Pouco me importa se o Sr. Warren vendeu um milhão de exemplares no Brasil. Isso diz apenas que a editora ganhou bastante dinheiro.
Vivam as raras exceções. Gente como Gerson Borges que, além de ter lido a obra “A volta do filho pródigo” e ter criado, produzido e gravado um musical homônimo (lindíssimo CD), promove o Sarau da Comuna, na sua igreja em São Paulo (pesquise o blog, vale a pena). São discussões que giram em torno da música brasileira, da literatura – tudo sob a ótica cristã. Também a editora W4 que, além de promover debates sobre cultura, publica obras, por assim dizermos, mais alternativos e não menos cristãos.
Enquanto o mundo gira, tenho bons motivos para ficar curtindo minhas novas aquisições da Feira: “A mulher que escreveu a Bíblia”, do conterrâneo e imortal (como o tricolor) Scliar e “O evangelho segundo Jesus Cristo”, do conterrâneo de língua José Saramago.
Espero logo encontrar pelos pagos “A mensagem secreta de Jesus” e “Uma ortodoxia Generosa” do intrigante McLaren que escreve sobre cristianismo contemporâneo. Também espero falar de melhorias no mundo evangélico no próximo ano.
NOTAS
[1] Fica minha singela homenagem ao grande educador Paulo Freire que nos deixou, dentre tantas obras, um importantíssimo livreto chamado “A importância do ato de ler”, editado pela Cortez.
[2] Thomas Nelson Brasil – www.thomasnelson.com.br

[a igreja que eu busco: primeira contribuição] - levi nauter

L evi Nauter



Desde que criei este blog venho tentando contribuir sistematicamente com alguns textos meus e de autores com os quais me identifico ideologicamente. Afinal, nenhum texto é inedito; ainda que indiretamente, dialogo quem leio, li e lerei. Essa é a razão de preferir a palavra tentar a dizer cabalmente que contribuo. Em outras palavras, sempre que escrevo vislumbro e intento a possibilidade de ser útil, de ser compreendido e, devo admitir, de ser aceito. Como essas intenções não dependem exclusivamente de mim, ocorre, por vezes, exatamente o contrário. Recebo comentários (por e-mail ou pelo próprio blog) de todos os tipos. Felizmente, a grande maioria é favorável a minha cosmovisão.
Estou cônscio de que abordo as mazelas da igreja-instituição. Por quê? Por entender que ela deveria morrer. É necessário matá-la porque ela não beneficia os fiéis senão os medalhões, os que recebem "pela$ bênção$". São os neopentecostais, os televangelistas, os radiocomunicadores - os mesmos que, sem nenhuma vergonha - alardeiam viver pela fé. Torna-se fácil viver pela fé quando a conta bancária está 'gorda'. Dá-se receitas para o povo que, ironicamente, só funcionam para os receitantes e lotem-se os templos. Templos lotados equivale a boas receitas. Essa tem sido a minha denúncia e, neste sentido, não vou calar.
No entanto, não sou compreendido por alguns. Denunciar não significa necessariamente a denúncia pela denúncia. Quando o faço, nas entrelinhas está o anúncio. Porém, poucos conseguem fazer essa leitura. Fazem-na superficialmente, sem o devido contexto, sem algumas informações prévias importantes ou, o que é muito comum, com o julgamento já feito antes de conhecer o texto. Se digo, por exemplo, que amo o doce indiretamente digo que o sal pode me incomodar. Parece elementar.
Já cansado de ler algumas bobagens a mim enviadas, pretendo começar a anunciar em vez de denunciar.

IGREJA COMO ESTATÍSTICA
O primeiro pressuposto para eu freqüentar uma igreja-corpo é o esquecimento da instituição. Busco (sem muito empenho) um lugar que não se preocupe com número de membros. Não busco uma mega-igreja. Tampouco pretendo me tornar número, dado estatístico. Não quero um templo no qual eu precise fazer 'carteirinha' de participante. Se uma determinada comunidade carece dessa organização, parece-me que é o primeiro passo rumo a institucionalização, ou seja, precisará de sustento, significando dinheiro.
Nessa mesma esteira, está a tensão ao dízimo. O dízimo é tão bíblico assim como outras temáticas nelas registradas e ignoradas. Ocorre que se trata de dinheiro. Por isso a instituição não abre mão: como viveriam os que dizem viver da fé? De minha parte, penso que todos deveriam questionar essa fonte de receita. Ou, no mínimo compreenderem a diferença entre trazer (sabe-se para onde vai) e dar (sabe-se apenas que será usado)dízimo. Freqüentei uma denominação que 'ungia' os dizimistas e incutia que os outros estavam 'sob maldição'. Paradoxalmente quem dizia isso estava desempregado. Ironicamente, a bênção sempre era de responsabilidade do céu e não daquele que recebia meus dez por cento. Também não toparia participar de uma igreja-corpo em cujo mural figurasse o nome dos dizimistas (disfarçados de 'colaboradores fiéis', patrocinadores, gideões, entre outras criatividades evangélicas). Barganhazinha com o Todo-poderoso? Nem pensar. O dízimo precisa de contexto.
Não quero encontrar um templo no qual a membresia se acha acima da lei - intocável, impunes, donos da verdade. Muito menos aceitaria alguém me cuidando, querendo saber o que como, bebo, visto, faço, peco. Sou, sim, dono do meu nariz, maior de idade e responsável pelos atos. Menos ainda aceitarei o fajuto discurso do princípio da autoridade (pretexto para quem quer mandar, retórica do manda-quem-pode). Aceito a democracia, o diálogo, o contraponto. Jamais de cima para baixo, mas, sim, de forma horizontal. Sou contra a espécie de livro-ponto no templo. A assiduidade não pode ser pautada pelo medo de se levar falta. Digo isso porque conheço uma denominação que possui um software de controle da assiduidade. Absurdo.
Minha última abordagem são os eventos nos quais chove matemática, estatística. Há um certo gessamento no Espírito Santo. Deus só pode atuar por especificidades: culto de doutrina, culto de ensino, culto de cura, culto de libertação, culto de louvor, culto de despertamente espiritual, e por aí se vai. Ora, jamais servirei a um Deus assim. O meu Deus é diferente. Nesses pseudocultos é que se ouvem frase boçais igrejeiras. A referência a elas quase sempre é: lá se converteram 100, 200 pessoas; batizamos 10, 20...
Estou, perdoem o vocabulário, "de saco cheio" de lugares em que não se pode discordar, sugerir mudanças. Quando alguém ousa, precisa ouvir:
– Mas quem é você? Pastoreias qual igreja? Você é autoridade espiritual sobre quanto membros? Quem te dá cobertura espiritual?
Ainda bem, Deus é misericordioso.

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Maria Flor

Sobre este blog

Para pensar e refletir sobre o cotidiano de um cristianismo que transcende as quatro paredes de um templo.


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LEVI NAUTER DE MIRA, doutorando em educação (UNISINOS), mestre em educação (UNISINOS) e graduado em Letras-português e literatura (ULBRA). Tenho interesse em livros de filosofia, sociologia, pedagogia e, às vezes, teologia. Sou casado com a Lu Mira, professora de História, e pai da linda Maria Flor. Adoramos filmes e séries.

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