duras lições - de Ricardo Gondim

Desde os meus 21 anos estou envolvido com o mundo religioso. Sem arrogância, posso afirmar que aprendi bastante sobre seus bastidores, sacristias e porões. Dizer que aprendi não significa que sou inteligente, esperto ou genial, apenas que me enfronhei nesse ambiente.

Aprendi que os religiosos, como os demais espaços institucionais, geram as” panelas” do poder. Geralmente acontece assim: alguém alcança o topo da hierarquia e se acompanha de amigos que desfrutam as benesses da posição. Os outros ambicionam chegar lá, onde o poder, a reputação, os privilégios, são diferenciados. Começam, então, as futricas. A curriola que domina faz de tudo para preservar-se e quem almeja subir, se esforça para suplantar os figurões, seja conspirando ou procurando mostrar-se mais ungido.

Aprendi que os religiosos confudem fé com credulidade e ficam furiosos quando contestados. Acreditar é sagrado, mesmo que não faça sentido ou não tenha plausibilidade com a vida. Os religiosos sabem transformar circunstâncias banais em “testemunhos fantásticos” e se contorcem para explicar tragédias horrorosas como mais um “mistérioso propósito de Deus”. (Por exemplo, estar atrasado para um compromisso e conseguir passar por três sinais de tränsito abertos é um milagre, mas a morte de milhares de crianças em Darfur, um mistério; “o barro não pode questionar o oleiro”).
Aprendi que os religiosos não têm coragem de ser honestos com suas crises internas. Mentem para si e para os outros citando textos da Bíblia, tirados do contexto e incoerentes com a experiência existencial. Tentam enganar-se repetindo que são exitosos no que fazem e experimentam; não admitem que suas vidas são, muitas vezes, uma meia-sola, mera recauchutagem da felicidade. Os religiosos adoram transformar os cultos em arenas, onde brincam de guerra ou em palcos, onde encarnam personagens míticos poderosos. Isto é, na igreja comportam-se como Hércules, que estraçalha seus inimigos ou como Fênix, que sempre ressurge das cinzas com maior vigor. A realidade, porém, os esbofeteia; negam precisar de terapia psicológica como qualquer mortal; morrem, mas não admitem que tomam ansiolítico.

Aprendi que os religiosos não levam suas lógicas até às últimas consequências. Eles temem perguntas que geram outras perguntas. Aliás, questionar entre os religiosos é sinal de rebeldia e rebelde tem parceria com o demônio. Os religiosos se sentem satisfeitos de citar um versículo (sempre fora do contexto) e dizer que, se “a Bíblia afirma assim e assim, ninguém deve entristecer a Deus com perguntas impertinentes”. Satisfeitos e acomodados com a interpretação dada por algum teólogo, contentam-se com os textos que lhes soam convenientes.

Aprendi que os religiosos só são amigos de quem pensa igual a eles. O que ousar desafiar algum dogma, torna-se persona non grata, pior que leproso dos tempos medievais. Experimentei na pele esse tipo de ojeriza. Amigos que pareciam legitimamente afetuosos, de repente, sem jamais conversarem olho no olho, passaram a espalhar sórdidos boatos a meu respeito. Rubem Alves tem razáo, os religiosos nunca mataram um pecador, eles só assassinam os que consideram herege. Estou convencido que muitos só não me mataram porque cometeriam um crime. O ódio que os alimenta, porém, é real.

Aprendi que os religiosos são egoístas e só consideram relações ensimesmadas com o divino. Eles buscam bênçãos, milagres, intervenções sobrenaturais, para terem vantagem na árdua e perigosa aventura de viver. Caso alguém diga que a resposta às suas preces precisaria se conectar com toda a humanidade; com os miseráveis nos campo de exilados, com as crianças africanas que passam fome, a resposta seria: “E eu com isso?. Os religiosos se isolam da sorte humana. Egocêntricos, não conseguiriam explicar a graça e a justiça divina, caso recebessem o que acabaram de pedir.
No final dos meus 54 anos, aprendi sobre religião o suficiente para distanciar-me dela. Por isso procuro, constantemente, manter-me apaixonado pelo Evangelho. Afinal de contas, os religiosos conspiraram e mataram Jesus.


Soli Deo Gloria

3 comentários:

Intransitiva quarta-feira, novembro 19, 2008 4:22:00 PM  

Simplesmente A DO REI ! Esse texto!!!
Fé é muito diferente da conveniência do "religioso". O religioso encontra na religião as respostas e a falta delas pra tudo. Tudo é por que Deus quer ou se Deus quizer.
Desculpem, mas eu não consigo.
Como diz o ditado que alguém escreveu pra mim no blog:
Sou ateu Graças a Deus! Risos...
Tá bom, eu sei que eu sou cética demais...
Forte abraço!
P>S: Como está a Maria Flor?

Levi Nauter quinta-feira, novembro 20, 2008 8:26:00 AM  

Querida Lilica:

Obrigado pelo comentário!

A Maria Flor está ótima, se mexe muito - coisa mais linda. Tem proporcionado muita emoção p/ nós.

Não tenho escrito sobre devido à falta de tempo (aulas, correções, preparação de provas, cadernos de chamada...).

Grande abraço,
com saudade,
Levi Nauter

Timilique! domingo, dezembro 07, 2008 3:30:00 PM  

Oi, Levi.
Sobre seu texto seu ("Em Off") colocado pela Camila no Pavablog.Não sei se foi o tom confessional ou "desabafacional", mas senti uma espécie de reconhecimento autobiográfico, aquela coisa de ter seguido no passado o superfervor de modismos institucionais eclesiásticos, com seus bônus e bônus!Até que um dia a ficha cai e a gente vira outsider.
É um alívio reconhecer quem pensa, sente e prossegue em uma fé purificada de religião.
Curta suas "Flores",sua calma,sua não-pressa, a riqueza da literatura, das letras da música brasileira e toda a beleza e amor que Deus lhe tem presenteado.E beijos gerais nas barrigas!

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Sobre este blog

Para pensar e refletir sobre o cotidiano de um cristianismo que transcende as quatro paredes de um templo.


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LEVI NAUTER DE MIRA, doutorando em educação (UNISINOS), mestre em educação (UNISINOS) e graduado em Letras-português e literatura (ULBRA). Tenho interesse em livros de filosofia, sociologia, pedagogia e, às vezes, teologia. Sou casado com a Lu Mira, professora de História, e pai da linda Maria Flor. Adoramos filmes e séries.

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