Minha amiga, e filósofa/folísofa, Camila Abadie[1] escreveu dois textos[2] cujo conteúdo dialogou comigo. Mais especificamente, fez-me rever, por outro ângulo, a incursão que fiz na leitura (na escrita também, mas esse não é meu foco por ora).
Na infância, minhas leituras restringiram-se à Bíblia. Havia os famosos cultos domésticos (nem tão sistemáticos na minha casa) no quais eu e meus irmãos tínhamos de ler alguns trechos das Sagradas Escrituras. Adolescente, li alguns (poucos) livros do discurso evangélico-fundamentalista. Agora noto o quanto isso me foi nefasto. Há um buraco nas minhas leituras de fábulas. Era pecado ‘na época’.
A Camila, com seus textos, remontou-me ao início da minha vida profissional. Foi nesse período que fiquei sabendo dos livros de auto-ajuda. Quando trabalhei na área de vendas, um colega emprestou-me Sem medo de vencer, do Roberto Shinyashiki. Devorei! Nunca lera algo que me parecia tão empolgante. Tive alguns professores que incentivavam o aluno a querer ser um empreendedor no futuro. A ‘literatura’ de auto-ajuda fortalecia essa, digamos, doce ilusão (não por eu não acreditar no empreendedorismo, senão que nem todos os leitores desses textos o serão). Foi uma boa iniciação. Um livro parecia impulsionar a outro e assim sucessivamente. Numa certa altura, comecei a me dar conta da sistemática repetição, da trama comum em todos eles. O ponto culminante se deu com Lair Ribeiro. Comprei O sucesso não ocorre por acaso. Terminada a leitura, fui para os fundos do pátio, acendi uma fogueira e, folha por folha, queimei toda a (pseudo)obra.
Atualmente sinto-me mais maduro em relação a leitura (tanto do mundo quanto da palavra) – em que pese saber da infinita produção no mercado editorial. A experiência e/ou a prática da leitura vai lapidando, refinando, nosso gosto literário. Em uníssono com a minha amiga, devo afirmar que “a mesma obra que me é tão útil, em pouco ou nada serve a um terceiro”. Também com ela penso que esse tipo de texto pode contribuir nalgum ponto de nossa vida, o perigo estará em “tornar-se dependente de respostas descobertas por terceiros”. Cá pra nós, em 2006 não resisti e adquiri Tudo ou nada. Cá pra nós ainda: já li mais de uma vez.
Mas por que disse o que disse até agora? Para falar de um livro de auto-ajuda. Sim, confesso, li um livro de auto-ajuda nas férias de janeiro.
Passei numa biblioteca, o livro estava lá de bobeira; eu também. Então nos juntamos. Peguei-o pelo título: Como evitar preocupações e começar a viver, do Dale Carnegie. O livro é de 1948, faz parte dos primórdios da auto-ajuda. Li a 29ª edição[3] (1991), dita revista e aumentada. Tenho a sensação que muito dos ditos popularescos vieram dessa obra. ‘Se você tiver um limão, faça uma limonada’, por exemplo, é um capítulo do livro (17). Não chorar o leite derramado também está lá.
Em Como evitar preocupações e começar a viver está o princípio básico da auto-ajuda: “...o propósito deste livro não é contar a você nenhuma novidade. O propósito deste livro é fazer com que você se lembre do que já sabe, instigando-o a pôr em prática os seus conhecimentos.” (p. 126). Igualmente encontramos títulos de capítulos exóticos, como Não tente serrar serragem (11) ou Lembre-se de que ninguém chuta um cão morto. Mesmo levando-se em conta a antiguidade do livro e a do autor (1888-1955), há registros deploráveis de preconceito:
...deveria ter o bom senso de fazer o que o cientista negro George Washington Carver fizera... (p. 124 – grifo meu)
Nem mesmo um idiota da Mongólia sonharia tentar voltar a 180 milhões de anos atrás... (p. 123)
Milhões de pessoas... continuam... a desperdiçar, a esbanjar energia, tão descuidadamente como sete marinheiros bêbedos em Singapura! (p. 257)
É possível encontrar, ainda, momentos místicos. Comecemos pelo momento Igreja Universal/Internacional/Mundial do Rein/da Graça e do Poder de Deus:
Comecei a trabalhar com seguros de vida, orientado ainda pelo meu Divino Guia. Isso aconteceu há apenas cinco anos. Hoje, todas as minhas contas estão pagas. Tenho um lar feliz e três filhos inteligentes. Possuo uma nova casa, um novo automóvel e vinte e cinco mil dólares de seguro de vida. (p. 229)
Nem faltou um momento pentecostal, ou The Secret:
Sinta a energia fluindo dos seus músculos faciais para o centro do seu corpo. (...) Repouse sempre que puder. Afrouxe o corpo, deixando que fique mole como uma velha meia. Quanto a mim, conservo uma velha meia marrom sobre minha mesa, enquanto trabalho, para me lembrar de como é que devo afrouxar os músculos. (p. 258/9)
Apesar de tudo, o livro, com um bom filtro, pode contribuir para iluminar nosso caminho. Afora os relatos quase fantasiosos, pode-se tirar algum proveito de alguns conselhos. Afinal, se eles fossem infalíveis seriam vendidos, já dizia um ditado. Então, um resumo dos conselhos apresentados nos 28 capítulos, divididos em sete partes – a oitava é composta de depoimentos sob o título “como venci as minhas preocupações”.
PARTE 1(capítulos 1-3) – Fatos fundamentais que você deve saber a respeito das preocupações:
- viva cada dia apenas até a hora de ir para a cama;
- procure melhorar a situação partindo do pior;
- um lembrete: aqueles que não sabem como combater as preocupações morrem jovens.
PARTE 2 (capítulos 4-5) – Técnicas básicas para a análise das preocupações:
- obtenha fatos;
- tome uma decisão;
- siga sua decisão.
PARTE 3 (Capítulos 6-11) – Como eliminar o hábito da preocupação antes que ele elimine você:
- mantenha-se ocupado com algo criativo;
- não se perturbe por ninharias;
- coopere com o inevitável;
- tenha coragem de dar um ‘basta’ no que o incomoda.
PARTE 4 (Capítulos 12-18) – Sete maneiras de cultivar uma atitude mental que lhe trará paz e felicidade:
- pense e aja alegremente;
- não desperdice um minuto sequer falando das pessoas que não lhe agradam;
- não espere gratidão, dê pela satisfação de dar;
- conte as bênçãos que recebeu e não os seus aborrecimentos;
- não imite os outros, sejamos nós mesmos;
- faça do limão uma limonada;
- faça uma boa ação para alguém.
PARTE 5 (Capítulo 19) – O modo perfeito de vencer as preocupações:
- orar.
PARTE 6 (20-22) – Como deixarmos de nos preocupar com a crítica alheia:
- crítica injusta é um cumprimento disfarçado;
- aja da melhor maneira possível e não deixe a crítica lhe derrubar;
- façamos ou peçamos uma crítica honesta e construtiva que nos auxilie.
PARTE 7 (Capítulos 23-28) – Seis maneiras de impedir a fadiga e as preocupações e conservar a energia e o ânimo:
- descanse antes de ficar cansado;
- repouse, leia, converse, faça planos;
- organize-se no trabalho, defina prioridades;
Do capítulo sete faltou-me entender mais três ‘maneiras de impedir a fadiga e as preocupações e conservar a energia e o ânimo’. O autor só se repetiu.
Indico a leitura. Qualquer livro merece ser lido. Nem todos podem receber o nome ‘obra’. Tampouco se deve ler por respeito ao autor. Deve-se ler pelo prazer da leitura simplesmente, incluindo-se os livros sagrados. De preferência, sempre que tivermos tempo seria didaticamente enriquecedor se todos os leitores registrassem suas impressões pós-leitura.
Fica a dica.
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