Acabo de ler um livro que recomendo sem reservas.
Afora o parco investimento na qualidade do acabamento da obra (mal cortado, a colagem do miolo é quase nada – descola facilmente) o texto supera e faz mea culpa. Assim é Perguntaram-me se acredito em Deus, de Rubem Alves, publicado em 2007 pela editora Planeta. Também é necessário dizer que não há nenhuma novidade ideológica expressa na obra. Quem acompanha Alves e é leitor não-gramatiqueiro, mas exigente, antecipadamente poderia prever o que leria nas páginas.
A importância dessa obra está na divulgação de um outro Deus. Aquele sem gaiolas, aquele com o qual se pode brincar, com quem se pode discordar, chorar e oferecer poesias. Igualmente está na provocação. O lado psicanalítico do autor como que pega uma vara (instrução bíblica, aliás) e cutuca os cristãos fundamentalistas, chamando-os de religiosos e não de fariseus. Poeticamente Alves chama sua própria obra de mosaico, de sonata, de altar. Particularmente, prefiro dizer que Perguntaram-me... é um compêndio de textos que anunciam e denunciam.
Tenho a impressão de que, na iminência de ser pai, essa obra deveria ser contada aos filhos com toda a entonação e sensibilidade que uma hora do conto exige. A ousadia do velho Rubem é de dar inveja, santa inveja. Seus pitacos fogem da tradição, exibindo uma liberdade de quem tanto sabe o que está dizendo devido as ranhuras do tempo. Quero contar as 'estórias' para meu filho ou minha filha que está a caminho.
A primeira ousadia da obra está em, belamente, dizer que a Bíblia é “um livro cheio de cacos” (p. 16) e que cada religião é “um jeito de ajuntar os cacos” (p. 17). Outra bela atitude do autor foi criar o Mestre Benjamin. Este é quem diz tudo. Ele é o alter ego do autor. Benjamin salva o Rubem da execração; é uma espécie de advogado divino nesta obra. Entreverado está Deus, o Senhor das Histórias. A paráfrase de textos bíblicos foi outra bela sacada.
Já é uma ousadia misturar poetas seculares num livro que se propõe falar sobre Deus. Mais ainda foi convidar a Emily Dickinson, que sai arrebentando:
“Alguns guardam o Domingo indo à Igreja -
Eu o guardo ficando em casa -
(...)
Assim, ao invés de chegar ao Céu,só no final -
eu o encontro o tempo todo no quintal.” (p. 27)
Achei isso maravilhoso. Parece-me o novo contexto religioso sendo como que profetizado pela Dickinson.
O texto “o abraço de amor”(pp. 31-34) quase exige que leiamos as declarações de amor, registradas em Cantares, ao som do Bolero – de Ravel. Que experiência estética! Aliás até o texto XI é isto que acontece: o autor nos carrega para uma experiência estética. A partir do XII, além de continuar com a beleza, há as denúncias. A primeira: Deus não possui um livro no qual contabiliza débitos e créditos. A segunda: o bom samaritano representado por um travesti. A terceira: a oração egoísta. A quarta: faíscas do cuidado ambiental. Quando observamos os textos que se seguem ao XVIII lemos anúncios: sobre tornar-se criança, sobre ser feliz, sobre orar, sobre sabedoria e sobre o amor. No amor tudo se encerra, inclusive o texto do Rubem Alves.
É por isso que fica difícil acreditar que “Deus tem uma câmara de torturas chamado inferno, onde tranca seus desafetos por toda eternidade...” (p. 102), essencialmente quando se lê a síntese dos dez mandamentos. Alguém errou nessa interpretação e, por causa dela, muitos já morreram. E agora, José?
Por isso temos de aprender a ler mais os poetas que os exegetas.
2 comentários:
quando meu filho de 3 aninhos faleceu (no ano passado) a única história que lhe contava e ele amava praticar era a de estar na Casa de Deus!
"como amo Senhor a habitação da Tua casa."
abraço carinhoso leví!!
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Obrigado!
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